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Justino Alves Pereira fala sobre seu relacionamento com o compositor Ataulfo Alves: “Tivemos uma convivência desde os tempos de menino” | Ranulfo Pedreiro/JL
Justino Alves Pereira fala sobre seu relacionamento com o compositor Ataulfo Alves: “Tivemos uma convivência desde os tempos de menino”| Foto: Ranulfo Pedreiro/JL

Um Cadillac com placa de Londrina

Jornal de Londrina

Londrina - Em 1938, ainda no Rio de Ja­­neiro, Justino casou com Il­­de­man e, na lua-de-mel, o casal via­jou pela América Latina. No re­­torno ao Rio, o casal descia do avião quando viu Ataulfo Alves parado na pista com um Cadillac, o grande símbolo de sta­­­tus da época. Detalhe: o Ca­­dillac tinha placa de Londrina.

Não se sabe como, mas Ata­­ulfo Alves comprou o Ca­­dillac que pertenceu a João Simões, um empreendedor londrinense de bastante sucesso – chegou a ser presidente do Banco do Estado do Paraná. Ataulfo manteve a pla­­ca de Londrina no carro.

Outra história de Justino diz respeito a Roberto Carlos. Am­­bos se encontraram no Rio de Ja­­neiro, e Roberto se aproximou de Jus­­tino para que ele intermediasse um contato com Ataulfo.

O Rei queria cantar algumas mú­­sicas em homenagem ao sambista, e acabou gravando o sucesso Ai Que Saudades da Amélia.

A música é uma parceria com Mario Lago, mas Justino conta que Ataulfo ficou magoado com o parceiro. "Às vezes Ataulfo ia no bar onde os compositores se reuniam. Um dia, chegou com uma música na cabeça, mas ele era muito primário em termos de português. O Mário Lago tinha um nível melhor e fez as correções para Ataulfo."

Mário Lago combinou com Ataulfo que levaria a música para gravar e, de­­pois, ambos dividiriam os di­­reitos autorais. "Ai Que Sau­­da­­des da Amélia" tornou-se um gran­­de sucesso. Mas a parceria ter­­minou em mágoa. Ataulfo reclamava para Justino que nunca recebeu um tostão pela música. "Pouco antes de falecer, ele ainda falava disso". (RP)

Ídolo

Ney Braga era fã de Ataulfo Alves

"Quem admirava Ataulfo Alves e me obrigou a ser secretário de Saúde de seu primeiro governo foi Ney Braga. Ele gostava de samba e, quando íamos ao Rio de Janeiro, Ney queria ver o Ataulfo. Então, volta e meia a gente ia para o Rio", lembra-se Justino. O sambista pedia para vir a Londrina: "Nunca deu certo de vir aqui, não foi por falta dele pedir, mas não dava certo de jeito nenhum". Mesmo com todo sucesso, Ataulfo Alves não se afastou de Miraí e da família Alves Pereira. E a cidade não se esqueceu de Ataulfo. Lá existe um Memorial Ataulfo Alves e o mausoléu do cantor recebeu, neste ano, os restos mortais do sambista, que estavam enterrados no Rio de Janeiro.

Mestre do samba

No Rio de Janeiro, Ataulfo Alves comandava um bloco no bairro do Catumbi, segundo o Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira. O bloco foi ouvido por Alcebíades Barcelos, o Bide, que fez a maior propaganda de Ataulfo para o diretor da RCA Victor, conhecido como Mr. Evans. Mr. Evans ligou imediatamente para Carmen Miranda. E aí houve uma incrível coincidên­cia: Carmen conhecia Ataulfo co­­mo ajudante de farmácia. E Ataulfo conhecia Carmen quando ela ainda se chamava Maria do Carmo. Ele não era compositor, e ela não era cantora. No reencontro, surgiu a amizade. Carmen gravou Tempo perdido e inscreveu Ataulfo na história do samba. (RP)

Londrina - Um ditado mineiro dizia: "La­­ranja madura, na beira da es­­tra­­da, tá bichada, ou tem marimbondo no pé".

A frase inspirou o sambista Ataulfo Alves, que fez: "Laranja madura/na beira da estrada/tá bichada, Zé/ou tem marimbondo no pé".

Quando Justino Alves Pereira ouviu o samba "Laranja Ma­­du­­ra", conversou com Ataulfo: "Quem é esse Zé?". A resposta foi clara: "É você".

O médico Justino Alves Pe­­reira – chamado pela família como Zé Justino – lembra com prazer do convívio com Ata­­ulfo Alves. Sua amizade remonta a tempos escravocratas. O avô de Ataulfo pertenceu ao avô de Justino. Como era de praxe, os escravos herdavam o nome do patrão.

Ataulpho Alves de Sousa (originalmente com ph) nasceu há cem anos, em 2 de maio de 1909, na Fazenda Cachoeira, em Miraí (MG), propriedade de Henrique Alves Pereira, pai de Justino. Ataulfo nunca esqueceu de sua origem, de Miraí ou da ligação com a família Alves Pereira. A di­­ferença de idade entre Justino e Ataulfo era de 20 anos, mais ou menos. Mas, na maturidade, ambos estreitaram os laços de amizade.

Justino estudou em Juiz de Fora e, depois, foi aprender Me­­dicina no Rio de Janeiro. Ataulfo também foi para a então Capital Federal, levado por um médico, onde trabalhou lavando frascos em uma farmácia. No Rio, Ata­­ulfo se enturmou com os sambistas e caiu nas graças de Car­­men Miranda. Logo, veio a fama.

Quando se formou, em 1948, Justino resolveu exercer a medicina em Ibipor㠖 hoje ele também tem residência em Londrina. Um tempo depois, Henrique Alves Pereira vendeu a Fazenda Cachoeira e veio atrás do filho, estabelecendo-se também no norte do Paraná.

Justino tornou-se secretário estadual de Saúde durante o governo Ney Braga e, posteriormente, foi deputado estadual. Em Curitiba, recebeu a visita do amigo Ataulfo Alves em 1965, quando o sambista esteve na Assembleia Legislativa do Paraná.

Justino é enfático ao lembrar o que mais lhe impressionava em Ataulfo: "A inspiração, a entrega total ao culto da música popular brasileira em letra e música."

Sempre impecável, Ataulfo Alves chegou a ser eleito um dos "dez homens mais elegantes do Brasil" pelo colunista Ibrahim Sued. Era uma pessoa íntegra, que não se esquecia de Miraí, onde ia anualmente lançar seus sucessos carnavalescos. Na cidadezinha, ouvia opinião dos amigos sobre os sambas.

Em 1969, Omar Mazzei Gui­­marães, presidente da So­­ciedade Rural do Paraná, fechou com Ataulfo e suas pastoras um show na Exposição Agropecuária de Londrina. Para marcar o compromisso, pagou adiantado.

Mas eis que Ataulfo adoeceu. Justino foi visitá-lo no hospital. "Ele já estava internado e veio a falecer. Quando fui visitá-lo, nós nem pensávamos que ele ia morrer. Aparentemente, não tinha doença, mas usava e abu­sa­­va do alcoolzinho", conta.

Antes de morrer, no leito do hospital, Ataulfo sentiu que não poderia cumprir o compromisso em Londrina. Devolveu, então, por carta, a quantia adiantada por Omar Mazzei.

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