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Pascal Bruckner usa uma frase do escritor irlandês George Bernard Shaw nas primeiras páginas de “O Paradoxo Amoroso” e ela resume bem as ideias discutidas pelo ensaísta francês no livro publicado agora pela Difel. “Há duas catástrofes na existência: quando nossos desejos não são satisfeitos e quando eles o são”, disse Shaw (1856-1950).

Bruckner é um pensador lado B na França que não se afina com o lado A (de Bernard-Henri Lévy e Luc Ferry). Autor de “A Euforia Perpétua” (2002), Bruckner escreve de um jeito estranho para um francês – sem complicar muito – e se vale de um raciocínio claro e objetivo. Os temas, no caso de “O Paradoxo Amoroso”, são os anseios e frustrações ligados às relações afetivas.

Ele passeia por referências diversas, citando gregos, romanos e contemporâneos para falar de casamento, separação, filhos, ex-cônjuges e, mais que tudo, para analisar a evolução do amor ao longo da História, chegando aos problemas do dia. E o “inferno”, segundo o filósofo, é “a impossibilidade de nos apaixonarmos por homens ou mulheres à altura de nossas aspirações, não que eles sejam medíocres, mas porque as aspirações são insaciáveis”.

Também filósofo, Luc Ferry (do lado A) é otimista ao extremo e diz haver uma “revolução do amor” no Ocidente. Ele se refere ao fim do casamento arranjado e à invenção do casamento por amor, “com todos os mal-entendidos, mas também todas as esperanças”. (As aspas se referem a uma entrevista de Ferry para a Folha de S.Paulo).

Bruckner não é tão entusiasmado quanto, mas também vê prós e contras. O problema, diz ele, é que “nossos casais morrem não de decepção, mas de uma ideia excessivamente elevada de si mesmos”. Os casais estão onde estão por causa de uma mistura complicada que envolve a procura pela felicidade “embalada por uma noção equivocada do que ela é”, mais uma idealização perigosa do amor.

“Na tragédia contemporânea, o amor é morto por ele mesmo, morrendo de sua própria vitória. É exercendo-se que ele se destrói, sua apoteose é seu declínio. Nossos romances nunca tiveram vida tão breve, nunca foram retomados tão depressa no leito da conjugalidade, uma vez que nada se opõe a seu florescimento. Miséria mais sorrateira do que qualquer outra, pois nasce da saciedade, e não da falta”, escreve Bruckner.

Antes, havia uma ordem cruel a ser combatida em nome do amor. Pense em “Romeu e Julieta”, de Shakespeare, em que os jovens apaixonados vindos de famílias rivais preferem morrer a ter de se separar. Hoje, o que se combate parece ser o tédio e as tentações. A sociedade atual, individualista até a alma, estaria “dividida entre o ideal de fidelidade e o apetite de liberdade”, segundo Bruckner.

“É preciso saber se entediar junto sem acusar um ao outro desse tédio, saborear esse estado como prova final de savoir vivre e de civilidade”, argumenta Bruckner. “Nossos antepassados tentavam se apreciar valendo-se de um casamento arranjado, nós devemos consumar o inverso: encontrar disposições amistosas valendo-nos de uma paixão original.”"

No ano passado, a Objetiva publicou “Amar o Que É: um Casamento Transformado”, as memórias da escritora Alix Kates Shulman sobre o desdobramento trágico de seu terceiro casamento. Ela reencontrou o amor da juventude mais de três décadas depois de se separarem porque ele teve de viajar para a guerra da Coreia. No período, três casamentos terminaram, dois dela e um dele, e a segunda chance de viverem juntos veio quando ambos estavam na casa dos 50 anos. Casaram-se e, juntos, chegaram à velhice.

Em 2004, o marido, então com 75, sofreu um acidente doméstico, caindo de uma altura de três metros e amargando várias sequelas. A pior delas foi uma debilidade que o tornou dependente da mulher para tudo. Alix, também septuagenária, uma feminista que sempre valorizou a liberdade e os momentos de solidão, se questionou várias vezes se devia mandá-lo para uma instituição ou cuidar dele em casa.

Dicas

Livros sobre o amor

Além de “O Paradoxo Amoroso”, de Pascal Bruckner (Difel), experimente ler “O Mal-Estar na Civilização”, de Freud (Companhia das Letras), na tradução fluida de Paulo César de Souza. “Amar o Que É: um Casamento Transformado” (Objetiva), de Alix Kates Shulman, é um doloroso livro de memórias sobre a velhice ao lado do marido debilitado. O romance “Liberdade”, de Jonathan Franzen (Companhia das Letras) discute inúmeras questões atuais, como a liberdade que pode se impor numa relação afetiva.

Ela decidiu escrever o livro para contar os desdobramentos da decisão que tomou – ficar ao lado dele e se esforçar para encontrar uma ajuda profissional durante parte do dia. Alix não alardeia a decisão e não diz que a vida fez sentido por ter de cuidar de um doente nem que a rotina era recompensadora. Ela, de fato, perdeu o marido para o acidente e demora a se dar conta disso, mas permanece com ele.

Quanto à propalada felicidade (ou à ausência dela), o fundador da psicanálise Sigmund Freud disse tudo que poderia ser dito em “O Mal-Estar na Civilização”, de 1929. Na tradução nova de Paulo César de Souza, pela Companhia das Letras: “Aquilo a que chamamos ‘felicidade’, no sentido mais estrito, vem da satisfação repentina de necessidades altamente represadas, e por sua natureza é possível apenas como fenômeno episódico”, explica Freud. “Somos feitos de modo a poder fruir intensamente só o contraste, muito pouco o estado.”"

Para Bruckner, há felicidade no amor, mas ele é bem mais do que apenas isso.

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