• Carregando...
Personagem de Mariana Lima lida com o fantasma da violência sexual na infância | Divulgação
Personagem de Mariana Lima lida com o fantasma da violência sexual na infância| Foto: Divulgação

O público que viu Amor?, quarto longa-metragem de João Jardim (diretor de Lixo Extraordinário, indicado ao Oscar deste ano), durante o 43º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em dezembro passado, silenciou diante dos impactantes depoimentos de pessoas reais encenados em primeira pessoa diante das câmeras por atores bem conhecidos.

Mas mesmo diante de uma temática original, que se propõe a discutir o entrelaçamento entre amor e violência de uma forma subjetiva, não há como não pensar nas semelhanças com o documentário Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho, em que depoimentos reais e inventados se embaralham ao serem ditos por atrizes e não-atrizes. "Uso os atores, não para propor uma discussão sobre a representação e realidade, como fez Coutinho, mas como instrumento para debater as relações amorosas. O que me interessa é a reflexão sobre este tema, o filme em si é menos importante", defende-se Jardim.

Trocar as pessoas que viveram as histórias contadas por atores permitiu ao filme discorrer sobre as imbricações de amor e violência de maneira mais abstrata, mas sem desumanização. Para isso, a equipe decidiu se ater principalmente à classe média. "No início da pesquisa fomos apresentados a pessoas muito pobres, em abrigos, tão desprotegidas que os depoimentos corriam o risco de virar um mero relato de horrores", conta a pesquisadora Renée Castelo Branco. Mas, para chegar a pessoas de nível social mais elevado, foi preciso abandonar as listas das instituições e partir para o boca-a-boca. "E aí, vai se descobrindo que um monte de amigos seus ou meus poderiam ser personagens deste filme", conta o diretor.

Nem sempre é preciso bater para agredir. É o que revela, logo no início, a personagem de Lilia Cabral, ao narrar a troca de ofensas e humilhações em que se transformou seu casamento após a morte de uma filha. Foi preciso que ela aprendesse a identificar as causas para, assim, refrear seus próprios impulsos violentos e os do marido.

Sadismo

Dois personagens, vividos por Mariana Lima e Eduardo Moscovis, lidam com o fantasma da violência doméstica na infância. Ela, que apanhava do pai, teve que entender que a violência não era parte integrante do amor para não aceitá-la novamente em suas relações. Ele, sadicamente, põe a namorada ao celular para ouvi-lo narrar aos entrevistadores que agride as mulheres, talvez como um modo de punir a mãe que, com suas atitudes, fazia o pai se descontrolar.

As atrizes Fabíula Nascimento e Silvia Lourenço, em um dos discursos de maior carga dramática, dividem-se na interpretação de uma lésbica que manteve, na juventude, uma história tumultuada, em que cenas de descontrole eram usadas como forma de recuperar instantes de paixão. Outros depoimentos são revividos por Júlia Lemmertz, Eduardo Moscovis, Cláudio Jaborandi, Letícia Collin e Ângelo Antônio – mas os homens, talvez pela dificuldade de se posicionar como agressores, demonstram mais dificuldade em se entregar aos papéis.

Licenças poéticas

Aos depoimentos se alternam belas imagens que têm a água como elemento central – "um alívio à tensão dos depoimentos", explica a fotógrafa curitibana Heloísa Passos –, seja no mar, na piscina ou no chuveiro, tendo como trilha sonora músicas de amor como "Carinhoso" e "Beatriz". João Jardim, no início, planejava fazer um filme duro, no qual não caberiam licenças poéticas. "Mas os depoimentos tocaram, inúmeras vezes, no lado bom das relações de amor vividas", justifica. GGG

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]