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Amy Tan visitou várias localidades chinesas no processo de pesquisa para o livro, inclusive a ilha de Chongming, onde a mãe dela cresceu e a avó se suicidou | Divulgação
Amy Tan visitou várias localidades chinesas no processo de pesquisa para o livro, inclusive a ilha de Chongming, onde a mãe dela cresceu e a avó se suicidou| Foto: Divulgação

Perfil

Escritora fala de si com humildade, aceitando os próprios limites

O melhor caminho a seguir é conhecer primeiro o trabalho de Amy Tan e só depois sua biografia.

A descrição de si mesma publicada em seu site particular – bem particular – nos torna fãs imediatamente. É verdadeira, repleta de humor e confessional sem ser piegas. De novo, esse é o gênero que ela deveria seguir.

Em entrevista de vídeo, porém, ela diz detestar que as pessoas pensem que todos seus romances sejam autobiográficos. Dois fatos chamam a atenção em sua vida: ter perdido pai e irmão para o câncer de cérebro num período de seis meses, e crescido depois disso com a mãe acreditando que Amy seria a próxima, vítima de uma maldição familiar; e participar da banda Rock Bottom Remainders, que tem entre os muitos integrantes o escritor de suspense Stephen King.

No texto sobressai algo difícil de se ver hoje em dia: humildade e aceitação dos próprios limites.

Serviço

Vale do Encantamento

Amy Tan. Tradução de Rosemarie Ziegelmaier. Editora Planeta, 576 pp., R$ 59,90.

Vale do Encantamento é um livro difícil de resenhar. A autora, Amy Tan, passou oito anos criando a saga de três gerações da família Minturn, que se desdobra entre os EUA e a China. É muito tempo, esforço e empenho. Fora isso, ela é uma pessoa incrível (leia mais nesta página).

Mas o material, parte inspirado em dados históricos, parte imaginado, foi formatado por ela em 574 páginas (na edição brasileira, pela Planeta) que mesclam incitação à curiosidade e didatismo entediante.

Felizmente contada sem respeito à ordem cronológica dos eventos, o que traria um enfado ainda maior, a narrativa apresenta Lucretia Minturn, americana proprietária de uma casa de cortesãs no bairro estrangeiro de Xangai antes da revolução de 1911, quando foi derrubada a dinastia Manchu e acirrou-se o sentimento nacionalista chinês. A filha Violet cresce nesse ambiente e acaba em outra "casa de flores", dessa vez como cortesã. A neta, por sua vez, é criada na região de Nova York.

A trama é centrada em Violet, voz narradora a maior parte do tempo. Sua interessante crise de identidade, fruto da divisão de nacionalidade e do afastamento da mãe, acaba cansando porque é absolutamente explícita; seu conflito é narrado e reiterado a cada 50 páginas, com todas as letras. Se do leitor se requer um baita investimento em tempo de leitura, não se exige muito raciocínio. O contrário seria altamente preferível.

Dois momentos, porém, poderão fazer valer a leitura. Entre as muitas desventuras de Violet, um casamento enganoso a coloca como terceira esposa num vilarejo chinês. A descrição dessa localidade – fruto de pesquisa in loco pela autora – traz muitas particularidades da cultura interiorana chinesa. A sequência de perseguição nos faz torcer pela protagonista e poderia ser separada do livro, o que renderia um bom thriller.

O segundo momento é o flashback em que Lucretia nos conta sobre sua infância, em que a relação com os pais traz um tom verdadeiro e, novamente, nos coloca para torcer pela voz narradora.

Há ainda símbolos em que a autora aposta. Apesar de um pouco desconexos, são boas escolhas: um quadro mostrando um vale, que rende o título; uma poesia de Walt Whitman; a carreira de um pintor fracassado.

Família

É curioso que, apesar de o livro tratar da cultura das cortesãs -- prostitutas orientais de luxo de quem os clientes precisavam se aproximar por meio de corte e presentes – o resultado é um livro "família".

Nos agradecimentos da edição, a escritora Amy Tan conta ter visitado inúmeras localidades chinesas no processo de pesquisa para o livro. Entre elas, a mansão de Chongming, ilha onde a mãe cresceu e a avó se matou. Esse fato deixa a sensação de que a história familiar da autora, contada nua e crua, teria rendido um livro mais empolgante.

Erros

Por fim, é imprescindível protestar contra a revisão do livro para a edição brasileira: a partir da metade, surgem erros de digitação e concordância grosseiros que desrespeitam o leitor.

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