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Sting: sem dom para as rimas | Arquivo Gazeta do Povo
Sting: sem dom para as rimas| Foto: Arquivo Gazeta do Povo

São Paulo – De godardiano, o cinema feito nos últimos 50 anos por Claude Lelouch não tem nada. Para o cineasta francês, que soprará sua 70.ª velinha de aniversário no dia 30 deste mês, confessar isso é motivo de orgulho. Homenageado com uma retrospectiva de sua obra – inclusive o recente Crimes de Autor (Roman de Gare) — na 31.ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Lelouch conta que sempre buscou estar na contramão na Nouvelle Vague, movimento de vanguarda que renovou o audiovisual francês na década de 60. Pertencer à intelectualizada patota de Jean-Luc Godard, François Truffaut, Claude Chabrol e cia. nunca fez a cabeça de um autodidata como ele.

"A nouvelle vague é um movimento retrógrado que fez o cinema francês retardar em 30 anos sua evolução. Ela foi uma revolução técnica, propiciada pela invenção de um material fotográfico da Kodak que permitia que se filmasse fora de estúdios, com iluminação natural. Não foi uma revolução na maneira de se dirigir, apenas uma revolução prática. O cinema deles era enfadonho. Se os cineastas que antecederam o movimento, como Jean-Pierre Melville (de Samurai), André Cayatte (Somos Todos Assassinos) e Henri-Georges Clouzot (O Salário do Medo), tivessem acesso ao mesmo material, anos antes, eles também teriam feito, à sua maneira, uma renovação do cinema francês. Mas com a preocupação de dialogar com a platéia", critica o diretor, questionando a noção de que Godard e seus contemporâneos desencadearam uma onda de radicalismo narrativo que o cinema nunca viu igual.

A opinião de Lelouch, que pode ser tachada de jurássica por muitos, gera polêmica com freqüência. Mas suas tiradas irônicas não são a única razão dos narizes torcidos que ele arrebanhou ao longo das décadas. O flerte do cineasta com histórias de amor calcadas no puro lirismo, nas quais a doçura é mais importante do que a invenção, foi um fator que lhe valeu a antipatia de muitos críticos. Mas ele refuta essa implicância. "Meu cinema não é um lugar para filmes doces. Meu cinema é uma aposta no risco, porque eu convido os homens e as mulheres a se amarem neste mundo em que ninguém mais se arrisca a apostar no desejo", justifica o diretor, cujo longa Retratos da Vida, de 1981, fez enorme sucesso de público no Brasil.

Cinegrafista no início de sua trajetória profissional, quando trabalhava com produções telejornalísticas, Lelouch migrou para o cinema após realizar uma reportagem na então União Soviética, em 1957. Na ocasião, enquanto driblava a repressão comunista para registrar imagens do dia-a-dia soviético, Lelouch acabou acompanhando as filmagens do clássico Quando Voam as Cegonhas, de Mikhail Kalatozov (1903-1973), diretor de filmes como Soy Cuba (1964). O aprendizado dos enquadramentos definidos por Kalatozov despertou em Lelouch a vontade de um dia gritar, profissionalmente, uma expressão que para ele é a síntese do estresse: "Ação!".

"Acompanhei Kalatozov por dois dias. Foram dois dias que mudaram a minha vida. Aprendi com ele que a câmera é sempre o personagem principal de qualquer filme. Por conta disso, sempre estive próximo do real em meus filmes. Vejo o cinema como uma arte que parte da mentira para chegar a uma verdade sobre o mundo", explica o diretor que, de 2004 para cá, começou a investir em outro terreno artístico: as histórias em quadrinhos.

Em parceria com o desenhista Bernard Swysen, Lelouch adaptou para as HQs o filme Toda uma Vida, dirigido por ele em 1974. Agora, prepara-se para lançar outro gibi, God Willing, a partir de um roteiro original seu. "God Willing é meu próximo filme. Como a produção demorou, resolvi adiantar sua história e lançá-la em primeira mão em quadrinhos.

Fã de música brasileira, Lelouch incorporou "Samba Saravá", de Vinicius de Moraes e Baden Powell, na trilha sonora de Um Homem, Uma Mulher, seu maior sucesso. Ele diz que já não anda tão em dia com a MPB, mas continua considerando as composições do Brasil as suas favoritas. "Sou um entusiasta da música da América do Sul como um todo. Mas seria leviano se eu citasse nomes de cantores e músicos específicos", diz.

O entusiasmo de Lelouch estende-se para o terreno das novas tecnologias da arte cinematográfica. Crimes de Autor foi a primeira incursão do cineasta no universo das câmeras digitais. Para o veterano diretor, a sensação de liberdade que sentiu nas filmagens foi redentora. "A câmera digital é estimulante especialmente para quem investe na direção de atores. Antes, quando usávamos películas em 35mm ou 16mm, tínhamos limitações para extrairmos o melhor de um intérprete, uma vez que eles costumam render mais quando as tomadas chegam ao fim. Com película, quando um ator estava no auge de sua interpretação, o filme acabava. Os rolos de filme duravam pouco. Com o digital, eu tenho, por fita, 50 minutos para gastar livremente", diz o cineasta, que elogia o trabalho de atores-cineastas como Clint Eastwood e Sean Penn.

"Eastwood é um caso singular, porque percebeu que, na idade em que está, não poderia mais interpretar papéis de durões de 30 anos, ao contrário do que os estúdios acreditavam. Dirigir para ele é uma aeróbica. "

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