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Musicais combinam com tempos de guerra e depressão econômica. A afirmação é contundente, mas quase sempre verdadeira. Agora Seremos Felizes (1944), clássico de Vincente Minelli estrelado por Judy Garland, e O Bom Pastor (1944), vencedor do Oscar de melhor filme que também deu a estatueta dourada ao cantor e ator Bing Crosby, foram produzidos em plena Segunda Guerra Mundial.

Cantando na Chuva (1954), considerado por muitos a melhor produção do gênero de todos os tempos, estreou quando tropas norte-americanas lutavam em "nome da democracia e da liberdade" na Guerra da Coréia, enquanto o eternamente popular Noviça Rebelde (1965), e Cabaré (1972), clássico absoluto de Bob Fosse, estouraram nas bilheterias de todo o mundo e venceram dúzias de prêmios ao mesmo tempo em que o Vietnã mergulhava em um dos conflitos mais sangrentos da história da humanidade.

E o que falar dos anos 30, período durante o qual desempregados e esformeados lotavam cinemas de costa a costa dos Estados Unidos para acompanhar (e sonhar) com os passos de Fred Astaire e Ginger Rodgers em comédias musicais sublimes como Picolino (1935)?

Sera mera coincidência? Provavelmente, não. É natural que uma modalidade cinematográfica quase sempre escapista, com forte investimento num distanciamento proposital da realidade, triunfe em tempos de barbárie. As pessoas, afinal de contas, precisam de uma válvula de escape, de um Shangri-La para chamar de seu.

Faz sentido, portanto, que o musical, que muitos julgavam morto e enterrado ressurgisse das cinzas no mesmo ano em que o maior atentado terrorista de toda história, o ataque às torres gêmeas World Trade Center, em Nova Iorque.

Foi também em 2001 que chegou aos cinemas Moulin Rouge – O Amor em Vermelho, longa-metragem do australiano Baz Luhrmann que, segundo muitos críticos, teria reinventado o gênero, absorvendo uma estética frenética e repleta de referências pop (como Madonna, Whitney Houston e Nirvana) para recriar a vida boêmia parisiense em plena Belle Époque.

Além de ter feito sucesso de crítica e ter sido indicado a oito Oscars, incluindo melhor filme, Moulin Rouge conseguiu o grande feito de se tornar êxito internacional de bilheterias, provando que as platéias contemporâneas, amamentadas pela MTV, mas avessas a diálogos cantados, ainda podiam estar interessadas em musicais. O filme de Luhrmann abriu caminho para que Chicago, adaptação para as telas de um sucesso teatral de Bob Fosse, se tornasse o grande vencedor do Oscar 2003, conquistando cinco estatuetas, entre elas a de melhor filme.

Desde então, ao mesmo tempo em que EUA e países aliados ocupavam Iraque e Afeganistão, chegaram às telas, com maior ou menor êxito comercial e artístico, O Fantasma da Ópera (2004), Rent (2005), Os Produtores (2005) e Dreamgirls (2006). Todos esses títulos têm algo em comum: são baseados em musicais bem sucedidos na Broadway, assim como o ainda inédito Hairspray, um dos filmes com melhores resenhas neste ano e grande sucesso de público nos cinemas americanos.

A maior parte das críticas é unânime ao afirmar que uma das qualidades essenciais da produção, dirigida por Adam Shankman, é sua despretensão e extrema energia. Nenhum dos cometários fala em compromisso com a vida real.

Hairspray tem uma particularidade interessante. Como Os Produtores, baseia-se num espetáculo teatral que, por sua vez, inspirou-se em um filme. Realizado em 1988 pelo diretor cult John Waters, um dos grandes nomes do cinema trash, o Hairspray original, assim como a peça e a nova versão para o cinema, contam a história de uma jovem obesa que, contra todas as espectativas, torna-se a vencedora de um concurso de danças televisivo muito popular na Baltimore (cidade natal de Waters) dos anos 50.

Enquanto que, na primeira versão, a mãe da protagonista era vivida pelo lendário transformista Divine, morto em 1988, a refilmagem traz no papel da animadíssima Edna ninguém menos do que o astro John Travolta, que retorna ao gênero cinematográfico que o transformou em mito instantâneo dos anos 70, em Embalos de Sábado à Noite (1977) e Grease – Nos Tempos da Brilhantina (1978).

Até o fim deste ano outro filme também cantado deve dar o que falar. Baseado na premiada peça do mestre Stphen Sondheim, autor de West Side Story e Company, Sweeney Todd é o novo projeto dark de Tim Burton, que se identificou com a história do açougueiro londrino que transforma seus inimigos em tortas suculentas. Johnny Depp, em sua primeira incursão em musicais, estrela, ao lado de Helena Bonham-Carter (de O Clube da Luta) e Sacha Baron Coen (Borat). Já estão falando em Oscars. E no Oriente Médio, as metralhadoras continuam zunindo.

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