• Carregando...
 |
| Foto:

Solto atrás das grades

Em algum ponto dos anos 1960, Johnny Cash transformou-se temporariamente em produto do passado.

Leia mais sobre a matéria

A hora do astro

O funk só sairia do forno dali a três anos, mas os ingredientes do estilo começavam a ser revelados por James Brown.

Leia mais sobre a matéria

O cliente entra na seção de música e filmes da loja, pega da prateleira um CD e pergunta para o vendedor: "Tem o ao vivo desse aqui?". O funcionário explica que aquele artista até tem um disco ao vivo, só que mais antigo, uma vez que o álbum em questão era um trabalho de estúdio recente, lançado há menos de duas semanas. A resposta: "OK, então vou levar só o DVD".

A venda de discos físicos despenca faz mais de uma década, mas no pouco que ainda resta do comércio de música off-line a cena descrita acima, com uma ou outra variação nos detalhes, é corriqueira. A pergunta que fica é: por que os brasileiros gostam tanto de levar música ao vivo para casa? Não que esse mercado inexista no exterior, pelo contrário. Lá fora, são vários os registros de shows que viraram sucesso de público e, às vezes, de crítica. É o caso dos dois álbuns clássicos que, por causa dos aniversários que completam neste mês de maio, inspiraram este Caderno G Ideias – Live at the Apollo, de James Brown, celebra 50 anos; e At Folsom Prison, de Johnny Cash, chega aos 45.

Se nos maiores mercados de música pop, Estados Unidos e Grã-Bretanha, os discos ao vivo são percebidos como peças secundárias de uma discografia, no Brasil eles se tornaram parte imprescindível do catálogo de bandas e cantores. Entre 2003 e 2012, 33 artistas nacionais emplacaram 49 títulos ao vivo nas listas anuais de discos mais vendidos do país. No mesmo período, nenhum álbum nesse formato entrou no equivalente Top 20 dos mercados norte-americano e britânico, de acordo com os dados levantados pelos sistemas Nielsen SoundScan e Official Charts Company. No Brasil, as informações vêm de relatórios da Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD). "Diferentemente do que ocorre nos EUA e na Europa, o consumidor brasileiro tem por tradição ser um grande comprador de discos ao vivo, não importando o gênero musical", confirma Rodrigo Ratto, vice-presidente comercial da Universal Music Brasil.

A maioria dos cam­peões de venda nacionais sai da música religiosa, do sertanejo e do axé. Estão nas paradas os shows gravados por Paula Fernandes, Ivete Sangalo, Luan Santana e Victor & Leo, bem como apresentações dos padres Fábio de Melo, Marcelo Rossi e Reginaldo Manzotti. Porém, mesmo nomes estabelecidos do pop-rock e da MPB turbinam as vendas com registros ao vivo, a exemplo de Kid Abelha, Roberto Carlos, Jota Quest, Caetano Veloso e Maria Gadú – tanto melhor se os discos forem promovidos por canais de tevê, como Multishow e MTV.

Incentivo

O produtor musical e pesquisador Ricardo Faour lembra que, a partir da década de 1980, as gravadoras nacionais começaram a incentivar os artistas a regravar o repertório em discos ao vivo. "Em 1986, o RPM lançou Rádio Pirata Ao Vivo, que foi um marco", diz Faour sobre o LP que até hoje ostenta o título de mais vendido na história do rock nacional, com 2,5 milhões de cópias.

A jogada certeira da CBS (hoje Sony Music) e do RPM inspirou outros selos a colocar nas prateleiras "coletâneas ao vivo", ou seja, discos que reuniam grandes sucessos apresentados diante de uma plateia. Era um conceito diferente da ideia até então habitual para álbuns ao vivo; aquela que buscava capturar uma apresentação especial e singular, ou registrar arranjos alternativos testados numa turnê específica. Totalmente Demais (1986), de Caetano Veloso, e O Tempo Não Pára (1988), de Cazuza, são da mesma época e ganharam as certificações de disco de platina (250 mil cópias) e diamante (1 milhão de cópias), respectivamente. "Não interessava mais preparar algo para vender 20 mil ou 30 mil cópias", diz Faour.

A estratégia pode explicar a popularização tanto do formato ao vivo como, mais recentemente, dos vídeos musicais. De 2009 a 2012, o comércio de DVDs de música cresceu 13,3% no país (os CDs caminharam na direção oposta, com recuo de 19,9%). "O Brasil é considerado um dos maiores mercados de DVDs ao vivo do mundo. Em alguns casos, a venda de DVDs supera, e chega até a dobrar, a venda do mesmo produto no formato CD", cita Ratto, executivo da Universal. A tendência influenciou também a cena independente. O duo curitibano Música de Ruiz, de Estrela Leminski e Téo Ruiz, lançou recentemente o DVD São Sons, no qual, além do show em si, há imagens que servem de complemento às canções. Hoje, como a dupla mesmo diz, "se não tem vídeo, não existe". Para Estrela, o público da era digital deseja ver a performance do artista, com microfonia e tudo.

A captação de pequenos erros também é mencionada por Faour, que acaba de produzir A Diva Passional, ao vivo da cantora veterana Lana Bittencourt: "Falta sujeira à música atual, principalmente no pop e no rock; tudo é muito corrigido pela tecnologia. No [disco] ao vivo, essas correções são mais difíceis".

Quem sabe faz ao vivo? Nem sempre. Quem deseja agradar aos fãs faz ao vivo, isso sim. Ao ouvir os aplausos e assobios da plateia, o brasileiro que tanto gosta dos shows gravados pode fazer de conta que esteve lá, assistindo ao artista, no meio da festa – com ou sem dissônancias e erros de compasso.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]