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Milo Manara, um dos artistas que boicotaram premiação | Niccolò Caranti/Wikimedia Commons
Milo Manara, um dos artistas que boicotaram premiação| Foto: Niccolò Caranti/Wikimedia Commons

O Festival Internacional de Angoulême, mais importante evento de quadrinhos no mundo, teve seu momento #agoraéquesãoelas - a campanha que defendeu, em 2015, mais espaço para mulheres se expressarem.

Dez dos 30 nomeados para o Grand Prix (grande prêmio) decidiram boicotar a 43ª edição da feira, que acontece entre 28 e 31 de janeiro, na França. Motivo: não havia nenhuma mulher entre os indicados.

Entre os cartunistas que se uniram ao protesto proposto por coletivos feministas como o BD Égalité, que luta por igualdade no meio, estão Milo Manara (que fez recentemente “Caravaggio - A Morte da Virgem” ), Daniel Clowes (indicado ao Oscar pela adaptação de sua série “Ghost World”) e Riad Sattouf (ex-colaborador do “Charlie Hebdo”, ele esteve na última Flip para divulgar “O Árabe do Futuro”).

Diante da acusação de sexismo, o festival fez um “mea culpa” e se comprometeu a incluir mulheres na lista de 2016, “sem remover qualquer outro nome”.

Num comunicado publicado em seu site, a organização do evento diz que “ama as mulheres, mas não pode reescrever a história das histórias em quadrinhos”.

“O conceito do Grand Prix é consagrar um autor por toda a sua obra -como o Rock ‘n’ Roll All Fame”, compara o texto. E não há mulheres o bastante -com “maturidade e idade” para ganhar a honraria- para competir em pé de igualdade com os homens, ao menos na visão do produtor-executivo da feira, Franck Bondoux.

Ao jornal francês “Le Monde”, Bondoux afirmou: “Infelizmente, há poucas mulheres na HQ. É uma realidade. Se você vai para o Louvre, também encontra poucas artistas”.

Entre as poucas quadrinistas indicadas ao Grand Prix no passado estão Marjane Satrapi (“Persépolis”) e Posy Simmonds (“Gemma Bovery” e “Tamara Drewe”). Vencedora? Só uma.

“Lembramos que, em 43 anos, Florence Cestac [quadrinista francesa] é a única mulher a receber essa distinção”, diz o BD Égalité em seu site.

O movimento lembrou de implicações práticas da exclusão feminina: “Este prêmio não é apenas honorário, tem um impacto econômico óbvio. Autores selecionados receberão destaque na mídia, e essa escolha terá impacto sobre a cadeia de livros, o que vai beneficiar livrarias, editores... e os premiados.”

Em manifesto, o BD (de “Bande Dessinée”, história em quadrinhos na língua francesa) também pede que ninguém fale “abobrinhas” do tipo “HQ feminina é um gênero narrativo”.

“Aventura, ficção científica, suspense, romance, autobiografia, humor, história, tragédia: gêneros narrativos que as mulheres dominam. [...] A definição ‘girly’ apenas reforça os estereótipos sexistas. Rejeitamos a ideia de que precisamos cozinhar cupcakes para sermos rotuladas como femininas. Adorar shopping e/ou futebol não são características de gênero. Feminino é um termo geralmente usado para definir algo fútil e/ou sentimental. Decidir que essas características são da ordem do feminino é misógino.”

Brasil

À reportagem, a cartunista Laerte lembra que o Brasil não saiu à francesa desse debate. A antologia “O Fabuloso Quadrinho Brasileiro”, que prometia reunir os grandes nomes dos quadrinhos brasileiros em 2015, escolheu 33 homens e quatro mulheres. “Sendo uma delas eu”, diz, lembrando que às vezes a esqueciam de a incluir nessa seletíssima lista.

O lançamento é da Narval Mix, selo independente de HQ. O quadrinista Rafa Coutinho, filho de Laerte, é um dos sócios. Como na França, os brasileiros também pediram desculpas.

“Dentre o processo inteiro, fomos levianos. Foram poucas mulheres inscritas -51 dentre 259 artistas (entre obras individuais e coletivas), e, ao longo das peneiras, cortes e opções por histórias, os nomes foram caindo. Não tratamos com o devido peso os efeitos dessa exclusão”, disseram Rafa Coutinho e Clarice Reichstul, editores da coletânea, em carta aberta.

“Sim, pisamos na bola. Ainda mais levando em consideração o momento que a produção feminina passa no país. [...] Para além da consciência de que somos falhos e ainda reproduziremos outros muitos preconceitos de nossa época -reflexo de nossas limitações- entendemos que esse projeto se faz da conversa, do debate e do aprendizado nos erros que cometemos.”

Entre a seleção de 37 obras, que inclui trabalhos da gaúcha Chiquinha e da jornalista da Folha de S.Paulo Alexandra Moraes, um dos quadrinhos, da artista LoveLove6 (que assina a websérie “Garota Siririca”), chama-se “A Sub-Representação Feminina no Imaginário dos Autores”.

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