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Marlos - com Pedro Ken ao fundo - está confirmado entre os titulares | Rodolfo Bührer / Gazeta do Povo
Marlos - com Pedro Ken ao fundo - está confirmado entre os titulares| Foto: Rodolfo Bührer / Gazeta do Povo

A relação de Paul Auster com o cinema é de altos e baixos

• A primeira experiência aconteceu em 1993, quando o diretor Philip Haas (cujo filme mais conhecido talvez seja Anjos e Insetos, com Kristin Scott Thomas) decidiu adaptar o romance Música do Acaso, estrelado por James Spader.

• Um ano depois, Auster escreveu o roteiro original de Cortina de Fumaça, dirigido por Wayne Wang. A história gira em torno de uma tabacaria do Brooklyn, administrada por Auggie (Harvey Keitel) e freqüentada pelo escritor Paul Benjamin (William Hurt). Não por acaso, Paul Benjamin foi o pseudônimo adotado por Auster no início da carreira. História retrata os tipos que passam pela tabacaria, bem como a amizade entre Auggie e Paul.

• O sucesso do filme levou a uma continuação, Sem Fôlego (1995), desta vez Auster co-dirigiu com Wang.

• O escritor se aventurou como diretor solo em O Mistério de Lulu (1998), de novo com Harvey Keitel, recebendo críticas mistas.

• Wang voltou a dirigir um roteiro de Auster em O Centro do Mundo (2001), uma barbaridade sem pé nem cabeça. Três anos atrás, um francês chamado Mathieu Simonet adaptou The Red Notebook, inédito no Brasil.

• Este ano, além de The Inner Life of Martin Frost, com Auster na direção (e sua filha, Sophie, no elenco), o argentino Alejandro Chomski produz um longa baseado em No País das Últimas Coisas.

Paul Auster sexagenário.

O autor de Trilogia de Nova York chegou à chamada "melhor idade" no último dia 3. Como se não bastasse ter de lidar com o que chama de "repentina decadência física", o escritor amarga o que é, sem dúvida, a pior fase de sua carreira.

Viagens no Scriptorium (Tradução de Beth Vieira. Companhia das Letras, 128 págs., R$ 33) acaba de sair nos EUA e no Brasil, e vem recebendo críticas pouco entusiasmadas ou francamente negativas.

Durante mais de 30 anos de carreira, boa parte das histórias escritas por Auster flertavam com enredos policiais, mas com um diferencial que se tornaria uma espécie de marca registrada do autor. A metalinguagem.

Ao mesmo tempo que produzia um romance, Auster parecia comentá-lo, criando vínculos entre o que estava escrito no papel e o mundo fora dele. A certa altura de "Cidade de Vidro", uma das histórias que compõem a Trilogia de Nova York, surge do nada um personagem chamado Paul Auster. Ele atende o telefone e a voz do outro lado o arrasta para uma trama policial acachapante.

Com jogos desse tipo, o autor nascido no bairro nova-iorquino do Brooklyn ganhou fama de ser "falsamente complicado", criando histórias difíceis apenas o suficiente para fazer o leitor sentir seu intelecto afagado. Mas nunca representando um desafio real, o que afastaria o público.

Defensores, claro, não concordam. Auster nunca teve uma obra sequer entre as mais vendidas na lista do jornal The New York Times, uma das principais referências para os americanos. O que contraria a noção de autor popular, embora sua fama seja incontestável. Quando veio ao Brasil em 2004 para a Festa Literária Internacional de Parati, foi um dos dois escritores mais disputados (ao lado de Chico Buarque).

Estapafúrdias

Em Viagens no Scriptorium, Auster paga tributo para Samuel Beckett (1906 – 1989). Ou o arremeda, dependendo do ponto de vista. O escritor irlandês venceu o Nobel de Literatura em 1969 e, em peças como Esperando Godot e Fim de Partida, narrou histórias estapafúrdias, capazes de atordoar mesmo as platéias mais receptivas.

Beckett era um minimalista. Godot, por exemplo, tem cinco personagens (contando a figura do título que nunca dá as caras, mas se faz presente mesmo assim) e uma árvore seca. Não precisava de muito mais que isso.

Auster se impôs tarefa semelhante. Colocou um homem desmemoriado dentro de um quarto mal-e-mal mobiliado. Ele não sabe quem é nem por que está ali e recebe várias visitas de pessoas que também não conhece, ou não lembra que conhece. Entre elas, surgem alguns dos personagens de livros anteriores de Auster, numa auto-referência que pode passar despercebida para os leitores menos fanáticos.

Fica difícil não encarar Viagens no Scriptorium como uma "pegadinha" em forma de texto. O tom professoral do narrador e o nonsense evidente da situação reforçam essa impressão. Todos os objetos do quarto estão identificados com pequenas etiquetas. Sobre a mesa-de-cabeceira, existe a indicação "MESA", na luminária, "LUMINÁRIA", e assim por diante.

Quem aceitar esse tipo de jogo entre autor e leitor, e transitar pela narrativa convivendo bem com todos os por quês que se acumulam ao longo do caminho, pode entender o culto em torno de Auster, conhecido como "o escritor dos aspirantes a escritor", no sentido que suas obras são confeccionadas para um público fascinado pelas entranhas do romance, pelo que há de cerebral nele, pelos jogos literários. Como se usasse um dialeto próprio.

É preciso aceitar a incapacidade do protagonista, batizado pelo narrador de Blank (do inglês: espaço em branco, vazio), de simplesmente ir até a porta e ver o que há atrás dela. Ou de se mover até a janela e abrir a cortina a fim de ver onde se encontra. As questões são tantas e tão prosaicas que é preciso testar os limites da famosa "suspensão da descrença", aquele recurso fundamental para se embarcar em qualquer ficção, seja escrita, lida, cantada ou filmada.

O problema é que mesmo a falta de descrença obedece uma lógica e é justamente essa lógica que o autor arrisca quando se dispõe a fazer uma história com quase nada, impondo condições mais-que-absurdas para o seu personagem.

Quem não aceita essa postura do narrador, que sugere algo como "eu sei, mas não vou te contar", com certeza, será torturado em cada uma das páginas do romance.

Vale dizer que muito pouco é explicado ao final da ação. Tal qual Beckett. Contudo, o irlandês levava seu público a fazer as perguntas certas. Por que Godot não aparece? As interpretações são muitas, assim como as metáforas. A solidão irremediável que sugere Beckett está longe da aventura de Auster.

Não é de agora

Auster vem recebendo críticas mais frias desde seu penúltimo livro, Desvarios no Brooklyn (Companhia das Letras). Houve até quem publicasse textos tentando provar erros de continuidade cometidos pelo romancista.

Já o antepenúltimo, Achei que Meu Pai Fosse Deus (Companhia das Letras), foi organizado por ele, reunindo histórias verdadeiras dos ouvintes do programa que apresentou em uma rádio americana. As pessoas foram incitadas a contar episódios curiosos de suas vidas e a recompensa era ter o texto lido por Auster no ar. Mais tarde, o projeto virou livro.

Uma explicação possível para essa "má fase" como escritor é a disposição de Auster em flertar com outros meios. Além do rádio, ele parece disposto a investir na sua relação com o cinema e acaba de finalizar o longa-metragem The Inner Life of Martin Frost (A Vida Íntima de Martin Frost), a ser apresentado em Nova Iorque no próximo dia 21, durante um festival de novos diretores promovido pelo Museu de Arte de Moderna (MoMA).

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