
A psicanalista Nadja Nara Pinheiro, doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), é professora de Psicologa da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Sua área é a psicanálise, abordando teoria, supervisão e pesquisa.
Na entrevista a seguir, ela comenta a tirania da felicidade, a depressão e os medicamentos antidepressivos.
Em algum momento, parece que a busca pela felicidade se tornou uma espécie de tirania. Não há mais tempo para a tristeza e muitos deixam de elaborar eventos tristes (frustrações, mortes, separações) e, assim, incorporá-los na própria vida talvez achando que nada pode interferir no "direito de ser feliz". Você concorda?
Em minha opinião, a busca pela felicidade é algo pertinente e importante para o nosso viver e deve, mesmo, ser empreendida. Se tomarmos a perspectiva da psicanálise, percebemos que o fundamento da vida subjetiva se faz sobre a inscrição da possibilidade de encontrarmos, ao nascer, prazer por meio da satisfação das necessidades vitais que nos asseguram a sobrevivência. Essas primeiras experiências de satisfação, prazerosas, se tornam cada vez mais complexas ao longo de nossas vidas, mas a busca por reeditá-las permanece. Ou seja, ser feliz é fundamental para o ser humano, mas o que a psicanálise igualmente nos indica é que esse prazer se inaugura a partir de um desprazer, isto é, a exigência de satisfação das necessidades vitais nasce de uma não-satisfação, de uma tensão em si mesma não prazerosa (como a fome, a sede, o frio, a dor, a cólica, etc.).
Como a psicanálise trata do assunto?
A psicanálise nos permite perceber que há uma parcela de infelicidade a ser suportada em toda felicidade alcançada. O problema não é, portanto, a busca pela felicidade, mas um suposto imperativo desta que, ao anular o sofrimento, anula simultaneamente a felicidade. Processo que resulta em uma vida sem qualidades, sem afeto, sem modulações afetivas que são buscadas através de atitudes extremadas: ou a intensa felicidade alcançada por meio das compulsões exacerbadas que procuram assegurar a sensação de que se está vivo (quer seja pelas drogas, jogos, compras, sexo, comida, etc.), ou por meio da extrema paralisação e apatia que asseguram um suposto controle das emoções (as depressões, a anorexia, as fobias, por exemplo). No meu entender, essas são respostas possíveis a uma questão enfrentada por todos nós que vivemos em um mundo no qual a felicidade foi eleita como um bem a ser consumido e não um movimento subjetivo a ser construído. O interessante é que nem todas as pessoas se organizam assim, ou seja, há algo do sujeito, da singularidade que está sempre presente nas escolhas que fazemos em nossas vidas.
Existe algo como a pré-disposição à depressão?
Em primeiro lugar, você afirma que há uma doença e que ela se chama depressão. Essa é uma perspectiva médica, psiquiátrica. Para a psicanálise, no entanto, ela não faz muito sentido, pois as questões do sofrimento psíquico são entendidas por diversos matizes e configurações que não a perspectiva biológica. Na psicanálise, procuramos entender as manifestações humanas, inserindo aí o sofrimento psíquico, no interior da história de vida de cada um de nós, ou seja, como se tornou possível, ao longo dos anos, que em determinado momento, diante de determinadas situações, a resposta encontrada tenha sido a emergência de uma dor tão profunda que torna o viver tão apagado, tão difícil, tão sofrido a ponto de fazer com que uma pessoa não deseje mais nada a não ser deixar de viver. Para a psicanálise, há um sentido singular nessa manifestação e um sentido que é multideterminado, ou seja, baseado em inúmeras séries causais e situacionais. Assim, perguntar se há ou não uma pré-disposição fisiológica não cabe na perspectiva psicanalítica, pois, ainda que houvesse, ela por si só não seria suficiente para produzir este ou aquele tipo de sofrimento psíquico.
Hoje, já se sabe por que algumas pessoas sofrem de depressão e outras não?
Para a psicanálise, buscar entender como o sofrimento se organizou é a tarefa a ser empreendida. Privilegiando a história de vida e a singularidade de cada um de nós, certamente aquilo que me faz adoecer será completamente diverso daquilo que faz os outros adoecerem. Enfim, as pessoas adoecem porque estão vivas.
Qual a sua opinião sobre o desembaraço com que os remédios antidepressivos são encarados hoje em dia?
Creio que esse seja o preço que a medicina está pagando por defender a ideia de que a biologia nos constitui como sujeitos. Em minha opinião, essa é a contrapartida da banalização que os próprios médicos produzem ao medicar as pessoas de uma forma desmesurada.
O que deve fazer alguém que sofre de depressão?
Não especificamente de depressão, pois as pessoas, às vezes, não apenas se automedicam, mas também se autodiagnosticam, ou seja, encontram um nome que supostamente diz respeito ao mal-estar que está sentindo e isso acaba resolvendo um tanto seu problema pois fornece um certo sentido; a pessoa percebe que não é somente ela que sente o mesmo, procura por informações na internet ou em outros meios de comunicação e acaba, na verdade, não procurando um especialista que possa ajudar, efetivamente, a transformar a situação e o sofrimento. Assim, minha indicação é que, quando uma pessoa está passando por um momento em que o sofrimento é muito grande, que é difícil viver, difícil encontrar prazer nas atividades cotidianas, que não acha soluções para os problemas que se apresentam, procure um especialista da área que possa ajudá-la a entender melhor o que está acontecendo. (IN)



