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Flávio Rangel, paulistano de Tabapuã: por um teatro brasileiro | Divulgação
Flávio Rangel, paulistano de Tabapuã: por um teatro brasileiro| Foto: Divulgação

Flávio Rangel (1934-1988) é uma das figuras centrais de uma geração que "entregou ao Brasil o seu teatro", como o diz Nathália Timberg. Percorrer a biografia do diretor paulistano significa revistar bastidores e palcos nacionais por onde transitaram os maiores de uma época de grandes atores: Paulo Autran, Cacilda Becker (que morreu nos braços seus e de Walmor Chagas), Bibi Ferreira, Maria Dalla Costa. Também os dramaturgos fundamentais, como Gianfrancesco Guarnieri e Dias Gomes. E colegas diretores da importância de Antunes Filho e do italiano Gianni Ratto.

Não é de se estranhar que a cineasta Paola Prestes tenha trabalhado por seis anos na produção do documentário Flávio Rangel – O Teatro na Palma da Mão tomada por uma sensação de urgência. "Se eu não fizesse naquele momento, eu perderia as últimas vozes de uma grande era. Talvez a maior era do teatro nacional", diz ela entre os extras de um filme em que se ouve os agora calados Autran (1922-2007), Ratto (1916-2005) e Guarnieri (1934-2006).

"Foi muito difícil lidar com essa ampulheta que ia se esvaziando. Sentia que tinha que ter esse registro, mas não queria que fosse um registro de morte."

Flávio morreu aos 54 anos de um câncer na garganta. A documentarista não chegou a conhecê-lo pessoalmente, mas foi amiga da atriz Ariclê Perez (1943-2006), com quem ele era casado e encenou À Margem da Vida, de Tennessee Williams. Da viúva partiu a motivação para que o filme fosse feito e a memória de Rangel, preservada. Ariclê, no entanto, se foi antes de gravar seu depoimento.

Apesar de todas as perdas humanas envolvidas, o tom do documentário é celebrativo: a homenagem a um artista admirado por seus pares e que trabalhou com seriedade pelo teatro, acreditando em sua "força catalisadora". É emblemático que a sua paixão pela cena tenha brotado como um nó no peito, como conta, diante da "visão de palco e plateia" de uma montagem de A Falecida, de Nelson Rodrigues. Sua preocupação, afinal, nunca se fechou na esfera do palco. O interesse, a atenção do público muito lhe importavam: não queria fazer teatro para intelectuais.

Brecht, por um

Em 1959, Flávio Rangel se apropriou de um dos textos políticos que Gianfrancesco Guarnieri, do Teatro de Arena, escrevia e montou um grande espetáculo: Gimba. Estreou no Teatro Maria Della Costa, com a própria caracterizada de mulata, sem disfarçar os olhos azuis. Foi a Lisboa e a Roma. Do Festival das Nações, em Paris, Guarnieri saiu premiado pela obra. Rangel, aos 25 anos, ficou um voto atrás de Bertolt Brecht (1898-1956) na categoria melhor direção.

Brecht e Stanislávski seriam duas referências embaralhadas no fazer teatral do diretor, que não se atinha às ideias de qualquer um deles. "Nunca servi a teorias, me servia delas", depõe, reafirmando o projeto de um "estilo nacional de teatro".

Dias Gomes (1922-1999), de quem dirigiu quatro peças, entre elas O Pagador de Promessas, por isso o considerava entre os melhores: "Impôs seu estilo e se manteve fiel a ele, indiferente às modas de verão e às experiências de pseudovanguarda que assolaram nosso teatro especialmente na década de 70."

Flávio Rangel não fazia teatro "experimental" – razão com a qual Paula Prestes se justifica por ter varrido qualquer experimentação de linguagem do seu documentário. Ele tinha convicção de que o teatro cumpria uma função social: "agir politicamente pela cultura do país".

Logo depois de Gimba, em 1960, tornou-se o primeiro diretor brasileiro convidado a assumir o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), fundado pelo italiano Franco Zampari e tocado por outros europeus como Adolfo Celi, Ziembinski e Maurice Vaneau.

Rangel imprimiu um estilo nacional ao andar e falar dos atores. E amargou um fracasso incomparável ao montar As Almas Mortas, de Gogol. Estrearam na terça-feira e saíram de cartaz no domingo, por falta de público. O documentário fala sem pudor dessa e outra experiência malograda: a adaptação de Gimba para o cinema.

Novo sucesso, estrondoso, foi Liberdade, Liberdade (1965), um grito de resistência dado antes que a situação política brasileira se agravasse com o AI-5 (entre 1961 e 70, Rangel foi cinco vezes preso pelo Dops). Num de vários depoimentos valiosos, Autran conta que a peça o despertou da inconsciência de fazer teatro por vaidade. Outra vez dirigido por Rangel, em Édipo Rei, o ator diz ter recebido aplausos em uníssono como nunca mais na vida.

Serviço:

DVD Flávio Rangel – O Teatro na Palma da Mão. Biscoito Fino. Documentário. Preço médio: R$47,90.

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