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A pilha de Jorge Fernando, 50 anos, parece nunca acabar. Sempre cheio de energia, ele é do tipo que fala rápido e sem parar, para não perder o pique. Começou no teatro, como ator, mas se notabilizou como um dos principais diretores da Rede Globo. Na ativa desde a década de 70, esteve à frente de cerca de 20 peças, 30 trabalhos para a tevê e mais uma dezena de shows de astros da MPB. Sem contar a estréia como cineasta, Sexo Amor e Traição (2003), que ultrapassou a marca de um milhão de espectadores.

Atualmente, Jorge dirige a novela Alma Gêmea e o reformulado TV Xuxa. Também percorre o país, há seis anos, com o espetáculo humorístico Boom, no qual interpreta diversos personagens. A peça passa pelo Guairão, em Curitiba, no próximo sábado. Aproveitando a deixa, o Caderno G conversou com o inquieto diretor, cuja trajetória se confunde com a história recente da televisão brasileira.

Caderno G – Boom é um espetáculo que está sempre mudando. Você tem feito piadas com a crise política?

Tenho, até porque não tem como não constatar o que estamos vivendo. Mas eu não gosto de piada política, acho que fica dramático. Os políticos precisam se entender tanto, e a gente está tão nas mãos deles, que ficaria menor ficar falando de roubo de mala, esse nhenhenhém... É um outro tipo de humor, mas é claro que a gente brinca com o que está na crista da onda. Eu estou muito triste, mas acho que tudo isso pode ter um saldo positivo e as máscaras caírem. Quem blefa, quem rouba, quem joga com o dinheiro público vai pensar duas vezes agora, não vai ficar tão impune como antes. Estou estarrecido, mas vejo uma possível luz no fundo do túnel. Já com a violência, não sou tão esperançoso. Se não partir das famílias, se não houver respeito, vai ser difícil a gente educar essa criançada. E isso é no mundo todo, não só no Rio de Janeiro. A ambição, o egoísmo, a ganância, a miséria, a fome... Tudo isso é muito maior do que uma região.

Outro assunto em voga nas últimas semanas é o protesto de algumas ONGs contra os supostos diálogos racistas e homofóbicos da novela A Lua Me Disse. Como essas manifestações têm repercutido na Globo?

Eles não conhecem o Miguel Falabella (co-autor da trama), é tudo brincadeira. Acho que a comédia tem o passe livre para brincar com as coisas. O Falabella jamais faria uma campanha contra uma raça ou facção sexual. Brincando com isso, ele está mostrando uma falsa identidade da raça que muita gente também tem. Acho que o tratamento é bem-humorado, nada desrespeitoso. Existem coisas palpáveis para essas ONGs abraçarem. Novela é novela, é diversão. Não existe isso de "Vamos fazer uma novela para criticar os negros". Todo mundo tem o direito de reclamar onde o calo aperta, mas há um pouco de exagero em relação à novela.

O que você acha do discurso da maioria dos críticos, que só enxergam estagnação na televisão?

A gente que está trabalhando nunca vê estagnação, pois o trabalho é árduo. E quem trata a tevê como uma arte menor não vê isso. A tevê é um celeiro de exercício para realizadores, atores, técnicos... A gente cresceu aprendendo a fazer, e hoje faz com nível internacional. Você vê uma novela mexicana, e depois a nossa, e percebe a diferença na luz, nos cortes, na qualidade do script, na variedade dos cenários. É um crescimento estúpido. Mas a tevê é um veículo fácil de jogar pedra. Você está em casa, aquilo está falando lá, e, dependendo do seu mau humor, você pode ter várias leituras para o mesmo trabalho. É como o sujeito que está cansado, entra no teatro e dorme. Não é a peça que está chata, é ele que não está preparado para ver aquilo naquele momento.

Hoje temos uma quantidade de enorme de programas alternativos nos canais a cabo. Trabalhos underground, muito documentários... Nunca houve tanto espaço para o documentário na tevê como agora. Mesmo nos programas de entrevistas, que têm a mesma fórmula, cada âncora tem seu charme, sua forma de conduzir. As novelas trazem as mesmas receitas, mas sempre com um sabor novo. Tudo isso é um crescimento. Acho que a tevê nunca esteve tão bem, tão criativa, abrindo espaço para muita gente jovem. O mais difícil em tevê é você conseguir definir uma grife, porque tudo é muito igual.

Sua carreira é mais associada ao humor escrachado, na linha da chanchada, de Guerra dos Sexos, Que Rei Sou Eu? e Brega & Chique. Como foi a transição para a linguagem ingênua do horário das seis?

O grande barato das novelas, e é por isso que eu faço há 27 anos, é que todas têm todos os gêneros. Você é obrigado a ser um bom diretor de suspense, romance, comédia, aventura. Mas, em cada novela, um desses gêneros prevalece. É uma forma de dar uma cara para o produto. Como a novela das seis tem esse público de senhoras, mulheres e crianças, você tem que fazê-la para todo tipo de gente. O diretor deve ter clareza e conhecimento do trabalho do autor para acertar o tom. Se der certo na primeira semana, repete 200 vezes. Isso é novela. Eu cresço muito a cada novo trabalho. Aprimoro minha limpeza técnica, minha decupagem da comédia, minhas marcas. Você volta aos mesmos temas, mas de maneira amadurecida. Não tenho dúvida de que Alma Gêmea é a minha novela mais "profissa".

Você tem a fama de recuperar atrações em crise, como as novelas das seis e, agora, o programa de Xuxa. Qual o segredo?

Tenho uma proteção divina muito grande (ri). Na verdade, eu jogo muito limpo. Quando comecei a trabalhar com a Xuxa, por exemplo, a gente não era íntimo. Era "Oi, tudo bem?", e só. Em poucos meses, rompemos com isso e falamos de coisas importantes, reestruturamos o programa. Acho que a gente objetivou um pouco a Xuxa, tirou aquela coisa direcionada para o público de 4 a 6 anos. Com isso, a luz dela cresceu de novo. A Xuxa andava fazendo milhões de personagens, e se escondia neles. No momento em que ela encontra a felicidade em gravar para um público mais diversificado, pode fazer o que quiser, porque ainda está inteira no vídeo.

Você é o tipo de diretor de tevê que sempre quis fazer cinema?

No íntimo, eu sou mesmo do teatro. A paixão, a tensão, a hora de abrir a cortina, saber se o público está na bilheteria comprando ingresso... Isso não tem preço, é uma das respostas mais rápidas que você pode ter. No cinema, o barato é o tempo que você tem. Hoje, tenho de fazer 33 cenas de estúdio para a novela. Se fosse um filme, teria duas. O nível de doação é muito diferente. Fica muito mais prazeroso, você pode ensaiar mais, consegue falar com os atores tudo o que pensa. A novela passa a ser descartável perante esse requinte de trabalho.

Algumas críticas de Sexo, Amor e Traição diziam que você apenas fez tevê no cinema. Como recebeu esses comentários?

É uma opinião das pessoas, tudo bem. Só que essas pessoas, ao invés de cada uma ter a sua opinião, nivelaram-se num preconceito que até poderia me irritar. Mas eu fiz com tanto carinho, deu tão certo, o público gostou... Por que eu vou me preocupar com isso? Cada um faz aquilo que quer. Filmei em película de 35mm. Posso estar fazendo comédia, uma coisa mais popular, mas quando estou fazendo cinema eu estou fazendo cinema, pô! Acho uma burrice esse tipo de crítica e sou contra essa idéia de que cinema é cinema, teatro é teatro, novela é novela. Só fica nessa quem não consegue realizar.

É verdade que, ao invés de pagar uma faculdade, sua família lhe deu dinheiro para investir na produção de uma peça?

É, sim, foi em 1974. Eu fazia uma peça no subúrbio, A História do Zoológico, do (Edward) Albee. Fui para Campina Grande participar de um festival de teatro amador e ganhei o prêmio de melhor ator. Na volta, comecei a fazer o texto, que era para dois atores, na forma de monólogo, como exercício. Apresentei em salas de aula, ônibus, na barca Rio – Niterói. Então, meu pai me bancou numa temporada de um mês em um teatro da Zona Sul, para as pessoas do meio me conhecerem. E deu o maior pé. No primeiro dia, foram três ingressos vendidos. No último, noventa. E foi o (Luiz Carlos) Ripper, um diretor de teatro, quem me chamou para o meu primeiro trabalho profissional. Aliás, o Boom nasceu porque eu queria saber se ainda tinha aquela energia do início.

Você já disse em entrevistas que não costuma ler muito e aprendeu tudo na prática ou assistindo a filmes. Esse tipo de formação não é muito respeitada no Brasil, onde as pessoas têm uma loucura pelo ambiente acadêmico...

Minha formação é toda na prática, sou audiovisual total. E não tenho vergonha nenhuma de dizer isso. Não sei o tempo que eu tenho de vida, não sei nem se vou estar vivo no sábado, aí em Curitiba. A gente não tem nada a perder. Quando mais verdadeiro você é, quanto mais se conhece, você fica enorme. E não fica pretensioso. Poderia citar dez mil livros que estou lendo, mas é mentira, eu nem tenho tempo para isso. Até compro, leio um pedaço e deixo, leio outro. Mas aprendo vendo. Vejo tudo que sai, todos os filmes, todas as peças. Minha cabeça tem um exercício de filtrar aquilo que preciso para os meus trabalhos. É isso que me alimenta.

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