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T.S.Eliot, com todo o "afeto" pela humanidade que lhe era peculiar, disse uma vez que se alguém lhe dissesse que um país havia sido destruído em uma guerra, ele não se preocuparia. Se lhe dissessem que o povo foi exterminado, que quase não havia mais ninguém, mulheres, crianças, ele não se preocuparia. Mas se lhe dissessem que lá não havia mais poesia e poetas, aí sim, ele lamentaria o fim definitivo daquele povo.

Em uma palestra em Montreal, em 1967, Murilo Mendes, que acabara de ler As Palavras e as Coisas de Foucault, resolve anunciar a morte do homem. É assim o nosso tempo, não? Matamos Deus, a História, a Poesia, o Homem... para ter o prazer e o mérito de novas renascenças?

Baudelaire já tinha publicado vários dos poemas de Flores do Mal em revistas literárias antes do livro inteiro ser publicado, em 1857. Muitos dos poemas do livro que foram censurados depois já tinham sido lidos, sem grande alarde, nessas revistas. Quem tinha lido? E não foram censurados os muitos poemas que se lamentam da falta de louros dedicados à poesia daqueles tempos, poemas em que o poeta se compara a mendigos, a velhos decrépitos, a um albatroz manco e a um cisne triste, desesperado.

Não é de hoje que a poesia, ela própria, reclama de desprezo e esquecimento. Cantar a morte da poesia e do interesse por ela não é novidade pra ninguém, os próprios poetas já fizeram isso. Talvez a autópsia mais interessante a se fazer desse caso seja procurar descobrir por que o suposto cadáver continua teimando em se mexer.

Aqui por essas terras, mandando às favas métricas, rimas e temas interessantíssimos como descrever vasos gregos ou falar da infância querida, nossos poetas modernistas de 1922 gritaram o fim daquela poesia. Decretaram uma nova. E os incomodados, que aos poucos foram se retirando (embora deixando alguns descendentes), também os acusaram de assassinos. E a Semana de Arte Moderna nem foi vanguarda de verdade, ao menos não se a compararmos com os escândalos das galerias e das publicações européias da época. Mas Oswald de Andrade declarou: "A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos." Esse foi nosso primeiro modernismo.

O segundo foi mais radical, mais vanguarda propriamente dita. Já passada a metade do século, os concretos, tratando da dita "crise terminal do verso", que os ligava diretamente a Mallarmé, inventam uma poesia verbi-voco-visual, deixando a poesia ser invadida pelos mundos da música, da arquitetura, das artes plásticas e do design mais modernos à época, fazendo poemas-objeto e performances poéticas e críticas que angariaram fãs, seguidores, inimigos e detratores.

Virada do século, começo de outro, e a mesma história de cem anos atrás. Que não se esqueça que Um Lance de Dados, em sua versão mais precária, é de 1897. Morte da poesia, dos poetas, crise terminal. Dê-se o nome que for, alguém talvez exagere, seja pelo diagnóstico, seja por teimar em manter-se vivo.

Há poucos anos, conversando com o Eleutério, na (saudosa!) livraria que tinha seu nome, ouvi ele reclamar: "Eu não sei o que essas editoras querem publicando tanta poesia. Eu compro mas não vende!" E o que será que elas querem? E os poucos leitores-compradores? Eu compro poesia a metro, trabalho com ela na universidade, nem sempre gosto de tudo, mas preciso, quero conhecer. Mas quando um indefectível jovenzinho me pára na rua XV pra perguntar "você gosta de poesia?" eu quase sempre respondo um rápido e sem graça "não", meio sem olhar pra ele, meio envergonhada da covardia de ter que aturar um egresso dos anos 70 (embora geralmente nascido na década seguinte), que geralmente lê muito pouco e se justifica dizendo coisas como "não posso corromper a minha própria inspiração" ou algo do gênero. Além de querer provar, com isso, que sim, já parei pra conversar com eles e até já comprei desses livros, acho que podemos usá-los como um bom exemplo do nó que o século 20 e sua modernidade nos deram: não podemos nos dar ao luxo, com a arte moderna, de apostar apenas na inspiração ou na espontaneidade da percepção. A arte moderna e a contemporânea pedem um aprendizado, elas pedem um "olhar diferenciado", diria Pierre Bourdieu, um certo aprendizado estético. E aí estão incluídos o artista e seu público, espectador, leitor, o que seja: a leviandade não é permitida.

Assim, como saber da morte da poesia? Leviandade nossa ou de alguns autores de hoje? Talvez de fato não nos interessem certos poemas hoje porque eles não nos dizem mais respeito, não realizam o mínimo, não intrigam, não evocam, não "estranham"...

Cristovão Tezza (é, o romancista, mas que escreveu um trabalho teórico sobre poesia...) trata da questão da seguinte maneira: poetas, podemos ler muitos, mas Poeta é aquele em que reconhecemos uma autoridade de que se investem os versos e que nos convencem a olhar o mesmo do mundo de outro jeito. Drummond fez isso, e João Cabral... Hoje? Experimentem Paulo Henriques Britto.

"Toda palavra já foi dita. Isso é sabido. E há de ser dita outra vez. E outra. E cada vez é outra. E a mesma.

Nenhum de nós vai reinventar a roda. E no entanto cada um a re-Inventa, para si. E roda. E canta.

Chegamos muito tarde, e não provamos o doce absinto e ópio dos começos. E no entanto, chegada a nossa vez,recomeçamos.

Palavras tardias,mas com vertiginosa lucidez ?o ácido saber de nossos dias."

"Crepuscular, n.º 6", parte do livro Tarde.

Sandra M. Stroparo, Proessora de Teoria Literária e Literatura Brasileira na Universidade Federal do Paraná.

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