Traçar um panorama crítico dos dias atuais nas artes e no comportamento humano. Foi o que se propôs a fazer o escritor americano Tom Wolfe, de 78 anos, durante conferência para cerca de mil pessoas, na segunda-feira (16), em Porto Alegre. Descreveu os tempos modernos como um período de sexo banalizado, arte conceitual sem aptidões, programação de homens como softwares e valores dissolvidos. Mas não se mostrou pessimista, preferindo se colocar no papel de jornalista que observa as transformações e sabe que elas sempre vêm. "Estou curioso para ver quais serão os desdobramentos dessas tendências daqui para a frente."
Considerado um dos ícones do chamado Novo Jornalismo, corrente criada nos anos 60 que preferia as grandes reportagens, escritas com características literárias, à notícia rápida e pouco profunda, Wolfe é autor de obras como "O Teste do Ácido do Refresco Elétrico" (1968), em que descreve as "tribos" dos anos 60, e "A Fogueira das Vaidades" (1984), um retrato da ambição econômica dos anos 80. Nessa condição de especialista na análise de épocas, ele tratou do espírito dos dias atuais na palestra de encerramento do ano do Curso de Altos Estudos Fronteiras do Pensamento, promovido pela Braskem.
Em suas falas aos jornalistas e à plateia da conferência, Wolfe traçou um painel do que chamou de Depressão Número 2 dos Estados Unidos, um tempo em que a arte exige mais conceitos do que qualidade, a vida não é tão plausível quanto os romances e as pessoas perderam livre arbítrio. Para Wolfe, as mudanças verdadeiras não são as que tratam "do fim de alguma coisa como a conhecemos até agora", como, por exemplo, o sistema bancário, a Grã-Bretanha, os Estados Unidos, o mundo ou a indústria do café, mas aquelas que vieram de outras áreas, mais especificamente a sexual.
Cita um vídeo pornográfico de Paris Hilton como um assunto que pode ser o ponto de partida para um romance. Destaca que seu livro "Eu Sou Charlotte Simmons" (2004) "tem sexo desde o início" e lembra, como retrato do comportamento atual, a cena em que um jovem para ir ao banheiro de seu apartamento passa por cima dos corpos nus de um casal de amigos que nem reagem, limitando-se a cumprimentá-lo.
Ao retratar nossa época, Wolfe também se volta para o campo das artes, identificando o que classifica de "aristocracia do gosto", que leva criadores, críticos e apreciadores a acharem que são mais refinados do que a maioria da classe média americana por preferirem "coisas que as outras pessoas não entendem".
Segundo Wolfe, é essa aristocracia que levou a arte a deixar de ser visual e se tornar conceitual. No panorama que traçou, o escritor citou Marcel Proust e James Joyce como autores de textos cuja leitura, apesar de ser altamente conceituada em alguns círculos, "não causa prazer" ao público comum. Outros exemplos, no campo das artes plásticas, são, segundo Wolfe, Picasso, que "não sabia desenhar linhas de tal forma a criar profundidade no quadro" por ter abandonado a escola de arte antes de chegar o curso de anatomia de perspectiva, e Matisse, que "não sabia desenhar mãos", deixando-as parecidas com "uma planta de aspargos tirada do mercado".
Ao falar sobre os rumos da ficção, teorizou: "Os romances de mais alto conceito atualmente estão se encaminhando para um destino semelhante ao que aconteceu com a poesia, que foi colocada num pedestal tão alto, numa montanha tão alta, coberta de neve eterna, que todo mundo olha (de longe), mas ninguém vai lá em cima olhar (de perto). Algo semelhante vai acontecer com os romances, eles vão acabar sendo vistos, elogiados, mas não lidos." Wolfe também disse que a pior herança do chamado novo jornalismo é ter feito muitas pessoas acreditarem que podiam escrever subjetivamente, sem dar muita atenção à objetividade, sem se basear nos fatos.
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