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O americano Jim Dodge é um senhor de uma humildade extraordinária, enquanto Will Self tem uma postura por vezes considerada arrogante e cínica, característica própria de alguns britânicos – como se tivesse saído do grupo de comediantes do Monty Python. Na quinta-feira (5), durante a 5.ª Festa Literária Internacional de Parati (Flip), os dois se encontraram em uma mesa que deveria debater o processo criativo na literatura. Deveria.

Mediada pelo jornalista Arthur Dapieve, do programa Armazém 41, exibido pelo GNT, a discussão tomou rumos inusitados, todos envolvendo Self. Autor de "Grandes Símios" e "Como Vivem os Mortos", ambos lançados pela Alfaguara/Objetiva, o britânico fez parte do público chorar de rir com observações como "A televisão é um supositório do mundo cultural. Você o enfia e o ele (o mundo) continua defecando eternamente".

Self conta que não lê ficção. Por ser um ficcionista, explica que vai sempre dissecar a obra, não importa qual seja e mesmo que não queira, percebendo os mecanismos que o autor usou para montar a narrativa. "Eu prefiro ler História e Filosofia", conta.

Jim Dodge está no lado oposto. Professor de escrita criativa na Universidade de Humboldt, na Califórnia, é um leitor dedicado de ficção e poesia, e autor de "Fup", romance sobre a amizade entre um avô, seu neto e uma improvável pata gorda, incapaz de voar. O livro tem dimensões pequenas – é uma edição de menos de cem páginas em formato de bolso – e esse, na opinião do autor, seria um dos atributos que fizeram da obra um sucesso cultuado desde a época de seu lançamento, quase duas décadas atrás.

Por ter poucas páginas, "era mais fácil de ser lido por resenhistas de ressaca", acredita. Tanto que recebeu mais de 300 críticas – positivas e negativas – na imprensa americana. Um número impressionante porque o normal para um livro que recebe bastante atenção fica na casa das dezenas.

Para não dizer que passou longe do tema proposto pela mesa – que chegou a abordar (e reprovar) a política ambiental de George W. Bush –, Dapieve questionou Dodge sobre se "escrita criativa" ser um termo redundante. "Eu acho que toda escrita é criativa. Eu adoraria, por exemplo, ler a lista de supermercados de Will", disse Dodge em referência a Will Self, que despontou nos anos 1980 durante a chamada "era da cocaína" das letras britânicas. Para Dodge, a maioria dos seres humanos tem imaginação, um primeiro passo em direção à criatividade.

Mesmo sem ser um consumidor de ficção, Self procurou se conectar com Dodge quando apontou uma qualidade em comum entre os seus livros e os do americano. "Eu crio mundos alternativos. Eu não entendo ficção naturalista que alega retratar um mundo que reconhecemos. Se você analisa esse tipo de ficção vai ver que é tão fantástica quanto o que eu Jim (Dodge) escrevemos. As pessoas não falam como as pessoas nos livros", afirmou Self.

Talvez por viver em um rancho, Dodge, quando fala, usa metáforas curiosas. Quando descreve a prosa de Thomas Pynchon, autor mítico de "Arco-Íris da Gravidade", diz que ela é como "Comer um tomatinho. Você morde, ele espirra para todos os lados e é impossível prever para onde vai".

Leitor e admirador de Pablo Neruda, Dodge passou uma década trabalhando em um romance que jamais terminou e conta que foi a maior lição de humildade de sua vida, pois teve de reconhecer que "abocanhou mais do que poderia mastigar". Ele acredita que escrever pode ser um dom, mas para ser escritor é preciso disciplina. "Talento é barato", sentencia.

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