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Mehldau ao piano não desperdiça notas e cria versões surpreendentes para clássicos do jazz e hits do rock-and-roll | Divulgação
Mehldau ao piano não desperdiça notas e cria versões surpreendentes para clássicos do jazz e hits do rock-and-roll| Foto: Divulgação

Alguns discos podem ser ouvidos sempre e não cansam nunca. Live in Tokyo, do pianista Brad Mehldau, é um desses. Lançado em 2004, era o único trabalho solo do jazzista, dono de uma discografia com mais de 20 títulos, um bom número para alguém de apenas 40 anos.

Sem o seu trio, completo com Larry Grenadier no baixo e Jeff Ballard na bateria, Mehldau se desdobra em muitos e cria arranjos incríveis para dar conta de músicas aparentemente impossíveis de se tocar no piano, como "Paranoid Android" ou qualquer outra do Radiohead, sem mencionar as versões que faz para canções folk de Nick Drake (1948-1974).

Agora, o pianista volta a lançar um disco sozinho e ao vivo, mas não no Japão. O álbum duplo Live in Marciac (triplo, se levar em conta o DVD), gravado na França em agosto do ano passado, repete a fórmula do Live in Tokyo e coloca clássicos do jazz ao lado de composições populares ou imprevistas, mais as do próprio Mehldau – como "Storm", a primeira das 14 faixas dos dois discos somados.

Em "It's All Right With Me", de Cole Porter, dá para perceber a energia do pianista, capaz de improvisos longos e inspirados sem nunca desperdiçar notas. Essa é uma impressão recorrente, embora não seja regra. As quatro faixas seguintes são composições originais de Mehldau, mas "Trailer Park Ghost" poderia ter saído das mãos e da mente de Thelonius Monk (1917-1982).

"Things Behind the Sun", de Nick Drake, que fez parte do CD de Tóquio, reaparece aqui numa versão com início floreado, talvez enfeitado demais. Soa estranha nas primeiras audições, mas, lá pela quarta ou quinta vez, quando se embarca na ideia, ela surpreende.

Mehldau tem uma qualidade comum aos grandes jazzistas: é capaz de tocar um milhão de vezes a mesma composição sem nunca se repetir. O refrão está lá, a melodia é reconhecível, mas ele consegue fazê-la soar diferente e nova a cada interpretação. Quando engata um solo soturno, aos seis minutos da faixa, para desembocar na melodia luminosa de Drake, deixa de ser só um homem ao piano e produz o tipo de emoção que um pôr do sol causa.

O fim da faixa emenda na seguinte, "Lithim", famosa na voz de Kurt Cobain (1967-1994), do Nirvana. Quem gosta de rock-and-roll tende a achar as versões ao piano leves demais, embora Mehldau arranque das teclas o peso necessário. Mas, se ele consegue tocar "Paranoid Android", nenhum desafio é grande demais.

Depois de "Lithium", o pianista puxa o freio de mão em "Lilac Wine", composta por James Alan Shelton, delicada e poética. Começa lenta, mas determinada. O tom de quem precisa dar uma notícia difícil para alguém querido. Mais adiante, há um quê de bossa nova e as notas lembram um trecho de "Dindi", de Tom Jobim.

Em seguida, vem a porção Beatles do disco (sempre há uma para Mehldau), com "Martha My Dear", que Lennon e McCartney colocaram no Álbum Branco. Quando não parece possível que o show e o disco tenham energia para mais surpresas, o pianista entrega "My Favorite Things", da dupla Richard Rodgers e Oscar Hammerstein. O tema ficou famoso primeiro no filme A Noviça Rebelde, depois, por se tornar uma das obsessões do saxofonista John Coltrane. Nas mãos de Mehldau, ela ganha tons dramáticos, grandiosos. GGGG

Serviço:

Live in Marciac, de Brad Mehldau (dois CDs e um DVD). Nonesuch, preço médio: US$ 17 (importado).

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