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Seu Contos Publicitários – Seis Contos sobre a Vida na Selva (2002) foi considerado pelo crítico da Gazeta do Povo, Wilson Martins, "uma coletânea de pequenas obras-primas, escritas num estilo inovador". Antes e depois desse livro, Marcelo Carneiro da Cunha produziu muito da chamada "literatura infanto-juvenil" em livros como Insônia e Antes Que o Mundo Acabe, chegando a vender 15 mil exemplares – um fenômeno editorial para os padrões brasileiros.

No ano passado, lançou O Nosso Juiz, sua estréia em uma grande editora – a Record –, resultado do trabalho conjunto com o cineasta Jorge Furtado. Este, baseado na mesma história, criou um roteiro. Para o cinema, Cunha já escreveu os roteiros de dois curtas-metragens premiados, O Branco e Batalha Naval. Hoje, a produtora de Furtado, Casa de Cinema, adapta uma de suas novelas, Antes que o Mundo Acabe.

Em setembro, o escritor gaúcho nascido em 1957 lança Simples, nova antologia de contos pela Record, e participa do evento literário Perhappiness, em Curitiba. Ele diz que seu desejo é criar um eixo Porto Alegre – Curitiba, a exemplo do Rio – São Paulo, em que escritores e outros artistas troquem experiências, idéias e público. Na entrevista a seguir, ele fala, de seu apartamento no centro de Porto Alegre (RS), sobre como a literatura pode ser influenciada pela música, jovens – os "termômetro do contemporâneo" –, livros como uma forma de estar consigo mesmo e a importância do conto para o século 21.

Caderno G – Sobre o que é Simples?Marcelo Carneiro da Cunha – Simples vem para ser o livro definitivo sobre uma coisa que ainda nem existe direito, que é o novo caos amoroso dos anos 2000, que, por sua vez, é conseqüência da morte da fantasia amorosa que existia, aquela do "encontrar a pessoa ideal e viver feliz pra sempre". Ninguém mais acredita nisso de verdade e o problema é que não temos outra coisa em que acreditar enquanto seguimos em frente com nossas vidas. O casamento, em suas várias formas, virou um campo de batalha, onde dois protagonistas, com poderes iguais e objetivos diferentes, se enfrentam. Pela primeira vez na história, as pessoas estão em dúvida diante de viver a riqueza conflituosa do casamento, ou a simplicidade aliviada da vida solo. Claro que esse solo não é tão solo assim, já que as regras hoje permitem quase tudo em termos de interação. Vejam a beleza simples do "ficar". Hoje, você pode ficar e pronto.

– Outro de seus projetos, o livro Infiéis, a ser lançado em março de 2006 pela Record, tem um proposta bastante inusitada. Você, Fabrício Carpinejar, Marcelino Freire e o colombiano Efraim Medina Reyes devem criar versões para as histórias uns dos outros, mais ou menos como acontece com bandas que gravam versões (covers) de outras bandas. Como surgiu a idéia e o que, na sua opinião, é preciso para que ela funcione?– Os Infiéis surgiu de uma conversa de bar entre os quatro autores, durante a Feira de Porto Alegre do ano passado. A gente falava sobre as bandas, como elas tocam músicas uns dos outros, adicionando a sua visão e linguagem ao trabalho de outro músico e eu tive um raro lampejo de criatividade: e se a gente fizesse a mesma coisa, com literatura? Como a cerveja já rolava há um bom tempo, a adesão de todos foi entusiasmada e imediata. Em segundos a gente criou o conceito, que chamei de "4 x 4". Quatro autores escrevendo versões para os contos dos demais. Em outros segundos escolhemos o tema – a infidelidade, um assunto, digamos, totalmente a ver com o que pretendíamos fazer com os textos uns dos outros. Cada um colocou um conto inicial (o Carpinejar entrou com um poema). E agora estamos escrevendo versões para o texto dos outros. Ou seja: o meu conto original, que se chama "Traição", vai aparecer no livro seguido das versões do Efraim, Marcelino e Carpinejar para ele. E, assim por diante, chegaremos aos 16 textos que vão compor o livro. A maravilhosa Luciana Villas-Boas, editora da Record, achou o projeto o máximo e imediatamente contratou o livro.

– Na condição de autor de sucesso de livros "infanto-juvenis" que também escreve literatura "adulta", poderia falar sobre as principais diferenças entre um e outro gênero?– Essa é daquelas perguntas de um US$ 1 milhão pra quem conseguir uma resposta que responda mesmo. Eu vou tentar ganhar o milhão sendo sincero. Nunca me percebi como autor de um ou outro gênero. Eu tento fazer uma literatura que funcione, contemporânea, boa de ler, cheia de espírito da nossa época, impregnada de rock, que é o ritmo que descreve o mundo dos anos 60 pra cá. O que acontece é que, quando o narrador é um adolescente, o livro vira infanto-juvenil. Quando o personagem é adulto, o livro é adulto. Essa é uma separação criada pela indústria e ela não descreve o que realmente acontece com os livros. Eu escrevi livros com garotos e garotas simplesmente porque eles são um ótimo termômetro do contemporâneo, que é o que me interessa. Quer um exemplo? O comportamento mais revolucionário da nossa época foi criado por garotas nos anos 80, é o ficar. Elas inventaram a primeira forma feminina de realizar os desejos sem culpas ou estágios de justificação e já inventaram um verbo pra descrever esse comportamento! E hoje, quando os adultos ficam, eles estão utilizando uma palavra e um comportamento criado por garotas. Essa deve ser a primeira vez que isso acontece em toda a história.

– Nos EUA, a influência do cinema, que exige argumentos objetivos, e a quantidade de oficinas de criação literária querem transformar o conto no gênero literário do século 21 – como o romance para os séculos 19 e 20. Você acredita que essa idéia faz sentido?– Eu participei de uma residência para escritores em Nova Iorque e pude conhecer um pouco do sistema deles. Realmente existe uma cadeia produtiva, unindo universidades, oficinas de literatura e editoras, que visitam regularmente esses centros de criação atrás dos talentos emergentes. Esse sistema funciona e não apenas lá. O tão comentado boom da literatura em Porto Alegre está totalmente ligado ao sistema de oficinas e editoras encontrado aqui.

Ao chegar aos EUA, eu imaginava encontrar essa crença no conto como a forma dos novos tempos, por sua rapidez, imediatismo, mais alinhado com a nossa época pós-industrial. Mas todo mundo que eu conheci lá, especialmente os escritores americanos, queriam escrever o Grande Romance Americano, e não o Grande Conto. Estive agora na Itália, e eles sentem um profundo desinteresse por livros de contos. No Brasil, as editoras querem, acima de tudo, narrativas longas, se possível, muito longas. Eu tenho a minha tese sobre esse tema, assim como tenho teses sobre quase tudo. Eu acho que as pessoas têm muito poucas oportunidades de estarem consigo mesmas, em si mesmas. O mundo solicita a gente o tempo inteiro, sobrando pouco espaço para reflexão e sensação de estar em si. Um livro representa um dos poucos momentos possíveis para esse encontro, esse estar consigo mesmo, e, talvez, as pessoas desejem prolongar esse tempo de encontro mergulhando numa novela, sem a suspensão contínua que um livro de contos proporciona entre um e outro conto.

– Quando você escreve, a literatura que faz é gaúcha, brasileira, latino-americana ou globalizada?– Outra pergunta de um milhão de dólares. Latino-americana, não. A cultura e língua são uma barreira importante. Brasileira, gaúcha e universal, nessa seqüência. Ela é essencialmente brasileira, na visão de mundo, na linguagem, no jeito. Gaúcha no sotaque mental, digamos. E universal no resultado, na concepção urbana, contemporânea, das narrativas e dos personagens.

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