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A leitura de Estilhaços: Minigâncias-Digressões-e-Batocaços (Record, 178 págs., R$ 28,90), do escritor gaúcho Marcelo Beckes, pode, mas não precisa ser feita como em um narrativa curta ou longa. Não há necessidade de a leitura avançar respeitando a seqüência de páginas. Pelo contrário. Composto em boa parte por aforismos e epigramas, o livro parece convidar a uma leitura mais solta, caótica, "estilhaçada" – como prefere o autor. Mas isso não quer dizer que o texto não seja linear, porque é. Talvez não no todo, mas em diversas partes.

Nos aforismos, Backes passeia por temas diversos, de arte à política, de futebol a si mesmo. "Queres me entender, leitora?/ Lê Heinrich Heine...", provoca, citando o poeta alemão que serviu de tema para sua tese de doutorado. "Até reajo de maneira semelhante a Heine, que era um sujeito hiper-sensível e ultra-agressivo, quando sou tocado pelo mundo", disse Backes em entrevista à Gazeta do Povo (leia abaixo).

Essa agressividade, por vezes, aparece na forma de texto. Como na página 160, em que compara críticos literários a leões-de-chácaras: "Também fui – e ainda sou, às vezes, leão-de-chácara. Minha avaliação, no entanto, sempre foi rigorosamente literária e meu talento era tão grande que tanto freqüentadores quanto donos me convidaram em uníssono a adentrar o salão". Ou quando conta o que o impulsiona: "Escrevo pra brigar com a língua e o mundo,/ E me entender comigo mesmo, por segundo".

A característica mais marcante do texto de Backes é, assim como a do aforista-mor do Brasil, Millôr Fernandes, o humor. "O Grêmio na segundona seria o mesmo que dez urros lascivos de Luciana Gimenez...". Para continuar no futebol gaúcho: "O Inter é como as mulheres, uma esperança e cinco desilusões!". Dá para deduzir que o escritor é gremista.

Nem só de aforismo e epigramas se fazem os estilhaços de Backes. O "Glossário de Nomes Que São ou Estória Onomástica de Anharetã" é uma espécie de conto em verbetes, todos de nomes de pessoas. Começa em Ademar ("Meu herói e paradigma de conduta.") e termina em Zelindo ("Mas eu já disse que não falaria mais dele!") e trata das figuras que habitam Anharetã, distrito de Cacimbinhas – que existe de fato, fica em Alagoas e tem uma população irrisória, com cerca de 8 mil habitantes.

"Pequeno Dicionário Nostálgico do Meu Futebol Missioneiro" também respeita a idéia dos fragmentos e, como qualquer dicionário, é organizado em verbetes. Mas eles remetem a gírias hilárias de moleques acostumados ao futebol ou simplesmente procuram definir funções como a do goleiro: "Normalmente era gordo, lerdo e bobo. A ausência de pelo menos dois com tais predicados era responsável pelo aniquilamento da função, coisa que terminava acontecendo no mais das vezes".

Na parte mais literária de Estilhaços, "Pescando em Lago Alheio... e Pondo Molho Backesiano ao Peixe", o autor se utiliza de várias referências da literatura alemã com a propriedade que o caracteriza. Embora não seja essencial conhecer todos os autores e obras que cita, os leitores (ao menos aqueles que não manjam muito das letras germânicas) podem flagrar-se boiando em afirmações como essa: "As Xênias, nas quais Goethe e Schiller ousaram se expressar de modo um pouco mais sarcástico, íntimo e pessoal, foram apenas um sinal pálido daquilo que viria mais tarde, uma guerrinha de brinquedo perto da fúria combativa, subjetiva e corrosiva que Heine exporia em suas máximas".

Ainda assim, Estilhaços leva a uma leitura compulsiva. A brevidade dos aforismos seduz como a das manchetes dos jornais. Você passa o olho e parece impossível não lê-las. Agora imagine um livro quase todo assim.

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