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Em 1981, no final da ditadura militar no Brasil, Cláudio Besserman Vianna (que faria carreira no humor com o nome Bussunda) entrou, em segunda chamada, para o curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em uma época em que os estudantes eram ainda fortemente politizados, Bussunda ajudou a aplicar uma peça que serve de exemplo para a sua vida bem humorada: ajudou involuntariamente a acabar com o movimento estudantil na universidade.

"Ele criou com os amigos a chapa ‘Overdose esfaqueie a sua mãe’ para concorrer ao centro acadêmico", conta Guilherme Fiúza, jornalista e autor de livros como "Meu nome não é Johnny" e "3.000 dias no bunker", que está finalizando a biografia do humorista, morto em 2006, durante a Copa do Mundo na Alemanha.

"A ideia deles era satirizar a politização ligada a partidos que existia na época", explica Fiúza, que participou do Fórum das Letras em Ouro Preto no debate "Biografia e revelação: o biógrafo em saia justa". Entre as plataformas defendidas pela chapa do humorista estavam a criação de banheiros mistos e a "caipirinha no bandejão". "Eles iam ao bandejão (restaurante universitário) com uma garrafa de cachaça para colocar na limonada do pessoal, e avisavam: ‘estamos cumprindo as nossas promessas antes mesmo de sermos eleitos’".

A campanha fez sucesso, e a chapa de Bussunda foi eleita. A partir de então o centro acadêmico deixou de ter delegados e passou a funcionar em sistema de autogestão. "A UNE vinha dizer que eles não tinham direito a participar dos congressos pela falta de representantes e eles diziam, ‘ah, não queremos mesmo’".

'Também queremos'

A bagunça era generalizada, quase sempre liderada pelo futuro humorista, que acabou jubilado e nunca se formou em jornalismo. "Eles participavam de qualquer manifestação, incluindo para as Diretas Já, sempre carregando a mesma faixa, escrita ‘Também queremos’. Ele também se fingia de cego na porta da UFRJ para conseguir dinheiro para comprar cachaça para o centro acadêmico", conta o biógrafo, rindo.

A coleção de histórias coletadas por Fiúza ainda tem outro momento emblemático. "Eles resolveram de uma hora para outra participar dos congressos, que eram em Florianópolis, Fortaleza. Mas não tinham dinheiro para ir. Então resolveram pedir para o então governador Brizola um ônibus. Foram a pé até o Palácio do governo e conseguiram falar com o Brizola, que resolveu ceder um veículo. Mas não era um ônibus normal – era um circular, desses urbanos. E eles viajaram do Rio até Fortaleza com um salvo-conduto, uma carta assinada pelo governador pedindo à polícia para não incomodar os estudantes".

Chegando à capital do Ceará, as confusões continuaram. Preferindo a praia às palestras, Bussunda conseguiu encerrar uma palestra só com seu bom humor. "Um teórico estava falando de Marcuse e McLuhan, e o Cláudi estava achando tudo aquilo muito chato. Ele começou a falar ‘blá, blá, blᒠininterruptamente na platéia. A Angélica, que viria a ser a sua esposa, repetiu a fala, e aos poucos as pessoas foram copiando, até que o ‘blá blá blᒠse tornasse ensurdecedor e acabasse com a apresentação".

Segundo Fiúza, essas passagens são bons exemplos da irreverência do integrante do Casseta & Planeta, equipe humorística que nasceu das publicações humorísticas "Casseta Popular" e "Planeta Diário" e que há quase duas décadas mantém um programa semanal na TV Globo. O jornalista diz que demorou oito meses entrevistando amigos, parentes e colegas para a biografia, que deve ser publicada em março de 2010.

'Sujismundo'

Entre os entrevistados, parentes que confessam que chegaram a ignorar Bussunda na rua na sua época de adolescente menos asseado (o apelido veio da contração de "Besserman Sujismundo"), além dos colegas de Casseta e diretores da Globo, como José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. "Foi o Boni que viu pela primeira vez o carisma do Bussunda, e percebeu que ele daria certo na televisão", revela Fiúza.

O humorista morreu em decorrência de um ataque cardíaco no dia 17 de junho de 2006, quando estava acompanhando o Casseta na Copa do Mundo de futebol na Alemanha. Ele sentiu-se mal após uma partida de futebol, mas recusou-se a ir a um hospital, com medo de perder o jogo do Brasil nos próximos dias.

"O Bussunda morreu do que ele era. Ele amava futebol e achava que podia esconder o problema. Ao mesmo tempo, ele já estava se cuidando, indo ao médico. Foi quase uma fatalidade", explica o biógrafo.

Ele diz que, ao lado do fanfarrão e bem humorado, o livro também vai mostrar o Bussunda pai de família, reservado. "Ele tinha um lado até melancólico, tanto com a própria aparência quanto com a opinião dos outros sobre ele. Com o tempo e a fama, foi ficando mais reservado, comprou uma casa na serra de Teresópolis, aparecia menos em lugares públicos".

O escritor revela, ao final, Bussunda como um personagem complexo – melancólico como grandes humoristas, mas que também nunca perdia o ar sardônico. "Esse foi o livro mais difícil de todos que eu escrevi – é uma história avassaladora", diz Fiúza, comparado com o resto de sua obra.

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