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Arrigo Barnabé nasceu em Londrina, mas ficou famoso como o cabeça do movimento musical conhecido como "vanguarda paulista" dos anos 80. Ao lado de figuras como Itamar Assunpção (1949 – 2003) e os integrantes do grupo Rumo, ele injetou novidade na MPB às custas de muito experimentalismo e invenção. Fez shows antológicos, compôs trilhas para filmes, experimentou ser ator, ganhou prêmios e gravou pelo menos um álbum fundamental – Clara Crocodilo, de 1980.

Sempre interessado por dodecafonismo e atonalidade, na década seguinte Arrigo deu uma guinada radical na carreira: saiu dos holofotes da MPB para se concentrar na composição de obras eruditas. Mas continua fazendo shows-solo e trilhas sonoras ("Para sobreviver", diz), atividades que reveza com os trabalhos de professor e de apresentador do programa de rádio Supertrônica. Agora, prepara-se para gravar, com o patrocínio da estatal Petrobrás, a peça Missa In Memoriam Itamar Assumpção. De passagem por Curitiba, onde ministrou um curso de Composição e Orientação Estética na Oficina de Música, ele falou ao Caderno G. Confira o melhor da conversa.

O curso que você ministrou na Oficina de Música propõe o "descondicionamento" dos compositores. Como isso se dá?Geralmente, as pessoas têm a noção de que composição é uma melodia acompanhada. E mesmo quem escreve mais também têm um padrão de gosto já formado. Acho que isso interfere no processo criativo. Você tem de conseguir se libertar desse condicionamento que o seu bom gosto lhe impõe. No curso, faço exercícios com os alunos, estabelecendo limites. O cara tem uma porção de regrinhas para obedecer, tem de se virar com pouco material. E saem coisas inesperadas, que ele não produziria normalmente. Mas a gente também conversa muito sobre a situação da música enquanto arte e enquanto indústria. Muita gente confunde as duas coisas. Pensam que tudo aquilo que tem relevância cultural é arte.

O que uma obra deve ter para ser arte, então? Rigor?Tem um conceito de arte que pode até estar meio ultrapassado, mas se aproxima do que eu acredito, que é a idéia da preservação do uso. Objetos como a caneta, a roupa, os óculos são feitos para se desgastarem pelo uso. E existem "objetos", como a arte, que foram feitos para serem preservados do uso, para prevalecerem como herança. Há um pensamento meio generalizado no Brasil, e isso começou principalmente depois do Tropicalismo, de que tudo é arte. De que Chitãozinho e Xororó são tão importantes quanto Beethoven. Não nego a importância de ninguém, nem quero ofender quem gosta. Você só não pode confundir as coisas.

Sua trajetória passa por essa dualidade, não? Quando você despontou, fazia uma música considerada "difícil". Ao mesmo tempo, era uma figura muito comentada, quase pop. Como ocorreu a ruptura que o levou a se dedicar quase que exclusivamente à composição de música erudita?Eu pensava como os tropicalistas, achava que marketing é tudo. Achava que tinha de estabelecer o maior número de ligações com gente que estava na mídia, me expor ao máximo. Porque isso me permitiria vir a desenvolver um trabalho mais interessante, ter mais espaço e abrir espaço para um grupo de artistas da minha geração. Mas vi que não é nada disso. As pessoas querem apenas se perpetuar. Isso aconteceu no início dos anos 90. E uma das coisas determinantes para mim foi aquele escândalo envolvendo o Gil, o Caetano e o Paulinho da Viola no ano-novo do Rio. (Quando os dois primeiros ganharam um cachê maior do que o do colega sambista para cantarem no mesmo show, no réveillon de 1995) Aquilo foi uma decepção muito grande. A partir daí, começou a cair a ficha. Pensei: "Quem são essas pessoas em quem eu estou me espelhando?". Várias coisas estavam acontecendo e me vi forçado a refletir sobre isso.

Eu tinha 42 anos. Se não fizesse o que realmente queria naquele momento, não daria mais tempo. Meu pai tem um sítio no interior, perto de Astorga, e fiquei mais ou menos um ano por lá. Comecei a ouvir o concerto para orquestra do Bartók, que eu nunca havia escutado direito, a Sagração da Primavera na versão para dois pianos... Nesse período, recebi uma encomenda para escrever uma obra para quarteto de cordas, orquestra jazz sinfônica e banda de rock. E não parei mais.

Você foi o principal nome da "vanguarda paulista". Qual o legado deixado por esse movimento musical?Da minha parte, acho que coloquei em circulação algumas informações da música contemporânea que foram razoavelmente absorvidas por um determinado público. Talvez a coisa mais importante foi transformar coisas consideradas inacessíveis em acessíveis. Coisas que as pessoas têm dificuldade para aceitar e até um certo preconceito, como dissonâncias, por exemplo. Consegui produzir coisas que soassem espontâneas utilizando essas técnicas.Você citou o agora ministro Gilberto Gil. Tem acompanhado a gestão dele à frente do Ministério da Cultura? O que achou da recente polêmica envolvendo o poeta Ferreira Gullar e o secretário de Políticas Culturais do MinC, Sérgio Sá Leitão? (Gullar criticou publicamente a política do ministério e recebeu uma réplica grosseira de Leitão. Em seguida, um grupo de artistas de variadas áreas saiu em defesa do poeta)Discordo de um monte de coisa que o Gil fala. Discordo, por exemplo, quando ele diz que a música erudita não representa o povo brasileiro. Isso é uma grande besteira. O Gil pensa na cultura como um bem de consumo, e eu acho que a essência da cultura é a arte. É sintomático que um presidente operário vá escolher um cara ligado ao entretenimento para ser ministro da Cultura. Mas isso não quer dizer nada, porque tivemos um presidente intelectual, o Fernando Henrique Cardoso, que quando vai falar de compositores cita Caetano Veloso e Chico Buarque, e não Villa-Lobos. Caetano e Chico têm muita qualidade, mas são autores de canção, não são compositores. Nossa elite deixa muito a desejar nessa área.

Quanto a essa discussão que está acontecendo, não sei se o Gil está errado. Acho, sim, que foi muito deselegante a forma como o Leitão reagiu ao Ferreira Gullar. Mas tenho a impressão de que há uma briga pelos patrocínios culturais, e de fato existem grupos que são beneficiados e outros que estão à margem disso. Se o ministério está usando outros critérios para definir os patrocínios, pelo menos as portas estão se abrindo para outras pessoas.

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