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A condessa Olenska (Michelle Pfeiffer), do filme A Época da Inocência, é expurgada por materializar em público seu desejo | Divulgação
A condessa Olenska (Michelle Pfeiffer), do filme A Época da Inocência, é expurgada por materializar em público seu desejo| Foto: Divulgação
  • Geisy Arruda: fora dos padrões estabelecidos em vestimenta e gestos para um ambiente universitário. O caso ganhou a atenção até da mídia internacional

Entrevista com Maria Cecília Amorim Pilla, doutora em História pela UFPR e diretora do curso de História da PUCPR.

Tanto o comportamento da estudante Geisy Arruda, considerado "ousado e inadequado" por alguns, quanto a violenta e desproporcional reação de seus colegas da Universidade Bandei­­rantes estão inseridos em um contexto sociocultural e histórico: Brasil, 2009. Se aconteceram e se transformaram em notícia no país e no exterior é porque, de alguma forma, são representativos do tempo presente, por mais surpreendente que tenha sido a atitude dos estudantes da Uni­­Ban. De alguma forma, o inci­­den­­te coloca em questão as normas de conduta social vigentes e os valores embutidos no imaginário da sociedade brasileira contemporânea, em particular no dos jovens.

A doutora em História Maria Cecília Pilla, que estuda manuais e e pesquisa códigos de etiqueta e conduta, conversou com a reportagem da Gazeta do Povo sobre o caso. Leia a seguir trechos da entrevista.

Você pesquisa os manuais de etiqueta e códigos de conduta de uma perspectiva histórica. De que forma essas normas estão condicionadas aos eventos históricos que as precederam?

Historicamente, as sociedades, desde seus primórdios, têm códigos de conduta próprios, primeiramente orais e mais tarde escritos (no nosso caso do Ocidente).O grande discurso desses manuais ou códigos tem sua base em oferecer um bem-viver à sociedade em geral, ou seja, seriam orientações para que se viva em maior harmonia. Existem neles, então, um fundo ético e moral. Os autores sempre se revestem de algum tipo de autoridade, sabedoria, vivência. Em todos esse códigos, e até mesmo antes deles, quando havia os provérbios, pequenas anedotas com fundo moral ou de ensinamento, encontramos orientações para nos adequarmos ao ambiente, no que concerne à roupa, às maneiras à mesa, ao vocabulário, aos gestos (um exemplo é o ditado "em Roma como os romanos").

A reação virulenta de algumas colegas do sexo feminino contra as vestimentas da estudante Geisy não seria um sinal de que o machismo não é apenas um mal masculino e de que as mulher são agentes dos mesmos preconceitos dos quais são vítimas?

No caso Geisy, ela estava fora dos padrões estabelecidos em vestimenta e gestos para um ambiente universitário. É claro que nada justifica a atitude de seus pares e da universidade, pois o bom senso e a própria essência dos códigos foi infringida nesse caso. Ou seja, há formas dentro da sociedade civilizada de coibir esse tipo de conduta. Eu estudo os códigos de conduta de diferentes épocas porque os vejo como fontes importantes para conhecer as necessidades de cada época. Eles seriam, então, reflexos da sociedade que os produziu, demonstrando mudanças, não necessariamente melhores ou piores, mas diferentes a cada época. Nesse caso, interessa menos saber sua repercussão e real utilização (que inclusive é superdifícil de ser aferida, só seria possível se as pessoas fizessem anotações), e mais seu conteúdo.

Qual o significado da repercussão que o caso teve na mídia?

Basta lembrar a discussão sobre as necessidades de mudança em relação ao Código Civil Brasileiro, que, num passado não muito distante, previa a devolução da noivas que não fosse virgem. Nesse mesmo sentido, é interessante discutir sobre o que se produziu, reportagens sobre o caso Geisy, o lugar e a proporção tomada na mídia. Modernamente, é um diferencial para uma reflexão sobre a repercussão de alguns comportamentos que em outras épocas ficava muito difícil de monitorar. Portanto, depois dos movimentos feministas, principalmente do pós-Segunda Guer­­ra, é importante discutir o assunto liberdade feminina e até que ponto o descumprimento de có­­digos comuns de conduta não acabam por vender a imagem fe­­minina, colocando-a ainda mais em posição de objeto.

No longa-metragem A Época da Inocência, de Martin Scorsese, a personagem condessa Olenska (Michelle Pfeiffer) vive uma si­­tuação de alguma forma se­­me­lhante a de Geisy. Ela é ex­­pur­­ga­­da da sociedade da Nova York do século 19 por ser divorciada e dar vazão aos seus desejos. Isso é coisa do passado ou uma reação social cíclica, que pode ir e vir com o tempo?

Em A Época da Inocência, a condessa reflete a sociedade vitoriana norte-americana da virada do século 19 para o 20. Época em que a rigidez dos costumes era a regra. A condessa deseja transpor seu próprio tempo, até porque foi educada na Europa e seguiu os conselhos de sua avó, tida por muitos como uma mulher mo­­derna. Em grande parte, a condessa ficou decepcionada com a sociedade em que ela nasceu, mas na qual não foi criada. Parece esperar um apoio que não encontra. No entanto, isso se revela falso, pois aqueles que tiveram coragem de romper com as regras é que se dão bem. Um exemplo é o novo-rico, cuja filha irá se casar com o filho de Newland Archer (Daniel Day-Lewis), protagonista do filme e pertencente a fina flor da sociedade nova-iorquina. Archer, quando jovem, não conseguiu romper com a sociedade e casar com a condessa (por quem era apaixonado).

Historicamente falando, essa onda de conservadorismo se­­ria reação a um excesso de li­­be­­ralismo comportamental em tempos passados?

O fato é que a sociedade está em eterna modificação, e voltar a condutas do passado não significa retrocesso, mas antes de tudo sintoma de mudança. Até porque, mesmo que se resgate algo do passado, o fazemos a partir de uma perspectiva do presente e nele os aplicaremos.

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