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Caetano Veloso: um compositor antenado | Ari Versiani / AFP
Caetano Veloso: um compositor antenado| Foto: Ari Versiani / AFP
  • Disco: Abraçaço. Caetano Veloso. Universal Music. R$ 29. MPB

Só pode ter sido de propósito. Caetano Veloso esperou até dezembro para bagunçar a lista de melhores discos brasileiros de 2012. No aguardo, ouviu a nova música do Pará, deu uma espiada nas lutas do MMA e criou uma das músicas mais tristes e insolúveis de sua história. Também deve ter dado uma ligada para João Gilberto, entrado no "fâce" e ter visto como tudo é "giga bom". E, como ninguém é de ferro, revisitou o sexo e o amor com uma visão privilegiada de quem já passou dos 70.

Abraçaço foi lançado oficialmente no último dia 4. É o terceiro – e de certa forma complementar – álbum do baiano na companhia dos "jovens" e antenados Pedro Sá (guitarra), Marcelo Callado (bateria) e Ricardo Dias Gomes (baixo). Se em Cê (2006) surgiu uma interessante atmosfera jovial e roqueira, batizada como transrock ou transamba em Zii e Zie (2009), em Abraçaço o que se sobressai é a voz autoral de um compositor interessado, renovado e recriado. A novidade, diferentemente dos outros dois últimos discos, não está mais no contraponto entre experiência e inovação, entre poesia (de Caê) e secura (da banda). E sim no olhar aguçado de Caetano para seu país e para si mesmo nesse mundo "que ainda se torce para encarar a equação."

"A Bossa Nova É Foda" foi apresentada no Programa do Jô, no começo do mês. Numa viagem criada por um "bruxo de Juazeiro" que passa pelo Rio São Francisco, Caetano chega a Minotauro, criatura da mitologia grega, e também apelido de Antonio Rodrigo Nogueira, lutador de MMA. "O velho transformou o mito das raças tristes/ em Mino­tauros, Junior Cigano, em José Aldo/ Lyoto Machida, Vítor Belfort, Anderson Silva e a coisa toda." Caê desilude-se.

Em "Estou Triste" ele é um poeta livre e desesperado. A faixa é uma situação limite, algo como um "Everybody Hurts" (R.E.M.) versão brasileira. "Estou triste tão triste/ e o lugar mais frio do Rio/ é o meu quarto." Dói, e é ótimo.

Voltando à posição de observador privilegiado, em "Império da Lei" Caetano brinca com a febre criada recentemente em torno do tecno brega, estilo popularizado por Gaby Amarantos. É com elegância e despretensão que o guitarrista Pedro Sá (também músico da banda Do Amor, que é 100% brega-carimbó) acompanha Caetano em uma pequena história de amor que não acaba bem. Caetano está de ouvidos abertos.

Na sequência, "Um Co­munista" presta homenagem a Marighella, poeta e organizador de movimentos contra a ditadura no Brasil. "Funk Melódico" poderia estar no último disco de Gal Costa, produzido por Caetano. As bases do funk carioca estão lá, dizendo novamente que o senhor de cabelos grisalhos está in. E a letra é alguma coisa: "O ciúme/ é só o estrume do amor."

"Vinco" é uma bossa nova esparramada e lenta, em que Caetano usa jogos de palavras e ironia para falar de sexo. "Eu que me posto exato entre teus lados/ determino teu centro/ sou teu vinco/ finco o estandarte em teu terreno tenro". O jogo sensual continua na sequência, embora mais descritiva, com "Quando o Galo Cantou". "O que fiz para merecer essa paz/ que o sexo traz?"

O disco sai do quartinho com abajur cor de carne e, novamente, lança olhares críticos a algo relativamente novo. "Parabéns" fala sobre tecnologia, de novo acompanhado de ritmos do Norte. "Tudo mega bom/ giga bom/ tera bom", canta Caê, atualíssimo, colocando em ordem crescente as unidades de medida de memória na computação. O texto da letra, aliás, veio de um e-mail que recebeu do cineasta Mauro Lima por conta de seu aniversário de 70 anos.

O 49.° álbum de Caetano Veloso fecha a trilogia com a Banda Cê. Mais do que isso, o disco confirma a quebra de um padrão estético que persegue Caetano, ainda espinafrado por aí justamente pelos estereótipos que a ele são atribuídos. Para esses, Caê manda um abraçaço daqueles. GGGG

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