Voltaire era um sacana. Ninguém sabia desmontar o adversário como ele. E o Cândido é sua obra-prima também nesse sentido. É provavelmente a maior sacanagem (pública) já aprontada por um filósofo para outro. A vítima, Leibniz, mesmo sendo reconhecidamente importante para o pensamento da época, fica parecendo um pateta para qualquer um que leia o romance de Voltaire.
Leibniz tinha uma teoria de que estamos sempre no melhor dos mundos possíveis. Religioso, acreditava que Deus imagina todas as possibilidades cabíveis e intervém para que a melhor seja sempre a que se transforme em realidade.
Voltaire, que não era lá muito crente, achava que tudo isso não passava de simples palavrório. E o Cândido é a resposta que ele preparou.
O personagem central, que dá título ao livro, acredita num filósofo que é uma caricatura de Leibniz, com a mesma teoria do melhor dos mundos possíveis. No entanto, capítulo após capítulo, o grupinho de personagens (o próprio Cândido, sua amada Cunegundes, seu mentor Pangloss) se ferram como você mal pode imaginar. Tudo dá errado.
Só para dar uma ideia, os personagens apanham de diversos modos diferentes, são perseguidos por macacos e por índios canibais, são punidos por um auto-de-fé da Inquisição, têm de fugir de uma guerra depois da outra, chegam em Portugal em meio ao terremoto gigante, apanham um pouco mais, e quando acham que já sofreram bastante, vem sempre coisa pior.
O livro é hilário. Principalmente porque, apesar de tudo, os personagens sempre acabam acreditando na sua teoria, não importa que o mundo esteja caindo a sua volta. É muito cruel da parte de Voltaire, mas também tremendamente engraçado.
E só mais tarde as coisas mudam um pouco, quando, finalmente, a teoria de Leibniz parece totalmente descartável para o leitor e até mesmo para Cândido.
No fim do livro, o personagem principal se retira e decide que nem sempre temos o melhor dos mundos possíveis nas mãos. Mas que, se cuidarmos do nosso jardim, podemos viver num mundo melhor. Difícil não se comover.
