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A atriz francesa Juliette Binoche estrela Copie Conforme, o filme mais “comercial” do iraniano Abbas Kiarostami | Fotos: Divulgação
A atriz francesa Juliette Binoche estrela Copie Conforme, o filme mais “comercial” do iraniano Abbas Kiarostami| Foto: Fotos: Divulgação
  • Uma das revelações é My Joy, primeira ficção do bielo-russo Sergei Loznitsa
  • O tailandês Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives, de Apichatpong Weerasethakul
  • Javier Bardem é razão fundamental para o sucesso do comovente drama Biutiful
  • Carlos, de Olivier Assayas, baseia-se na vida de Ilich Ramírez Sánchez, ou Carlos, o Chacal

Cannes - O 63.º Festival de Cannes, que termina amanhã na Riviera Francesa, chega ao fim sem favoritos claros – ao contrário do ano passado, quando ficou evidente que a disputa estava entre O Profeta, de Jacques Audiard, e A Fita Branca, de Michael Haneke, vencedores do Grande Prêmio do Júri e da Palma de Ouro, respectivamente. Os próprios quadros da crítica publicados em revistas especializadas não se entenderam sobre os melhores filmes do festival. É um reflexo da seleção pouco inspirada desta edição, que, se não chegou a apresentar grandes bombas, em pouquíssimos mo­­mentos chegou a empolgar, com obras que realmente vão ficar na me­­mória.

É o caso de Biutiful, do mexicano Alejandro González Iñárritu, que abandona a pretensão excessiva de filmes globais para se concentrar nas semanas finais de vida de um pai solteiro que está morrendo de câncer e sua tentativa de acertar tudo antes de partir. Javier Bardem é razão fundamental para o sucesso do comovente drama e bastante cotado para le­­var o prêmio de ator, caso o longa-metragem não ganhe nenhum outro troféu mais im­­portante. O ator espanhol tem poucos concorrentes à altura, talvez Elio Germano, do italiano La Nostra Vita, também um pai confrontado com a morte, no caso, da mulher.

Outro ponto alto foi Copie Conforme, o filme mais "comercial" do iraniano Abbas Kiarostami, que ao mesmo tempo se afasta e se aproxima de seus trabalhos anteriores. Ele trocou as paisagens áridas de seu país natal pelas da Toscana para mostrar o relacionamento de um dia entre uma mulher (Juliette Binoche) e um escritor (William Shimell), que entram num jogo de encenação como se fossem casados há 15 anos.

A atriz francesa é candidata ao troféu de melhor atriz, tendo como principal concorrente Lesley Manville, de Another Year. O fil­­me de Mike Leigh, aliás, ficou bem cotado entre a crítica, mas, apesar de ser bom, apresenta pouca novidade em relação aos trabalhos anteriores do cineasta inglês. Quem pode tirar o prêmio de Juliette ou Lesley é o elenco feminino de Tournée, de Mathieu Amalric, estrelado por artistas do novo burlesco, ou Yun Junghee, do sul-coreano Poetry, sobre uma avó que tenta aprender poesia enquanto lida com o neto acusado de um crime.

O terceiro grande momento do festival foi Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives, de Apichatpong Weerasethakul. O diretor tailandês normalmente faz filmes lentos e difíceis porque apostam em atmosfera onírica e não separam realidade e fantasia. Neste, ele fala de fantasmas que aparecem na forma de espíritos mesmo ou de animais – boa parte dos tailandeses acredita na transmigração de almas –, quando o Tio Boonmee do título está à beira da morte. É talvez o longa-metragem do festival com as imagens mais fortes, que transportam o espectador para essa selva repleta de histórias e personagens fantásticos.

No mais, houve filmes com algumas qualidades, como Chongqing Blues, de Wang Xiaoshuai, sobre um pai que tenta se reaproximar do filho depois de sua morte, investigando as circunstâncias do ataque que o rapaz cometeu a uma loja. Ou mesmo Route Irish, de Ken Loach, que se aprofunda na questão dos grupos de segurança privada com licença para fazer o que queriam na Guerra do Iraque por meio da história de um homem investigando a morte do melhor amigo. Nenhum dos dois vai ficar para a história, no entanto.

Novo

Da mesma forma, foi um festival de poucas revelações, bem diferente do ano passado, quando Christoph Waltz, de Bastardos Inglórios, e Tahar Rahim, de O Profeta, foram lançados em Cannes para o mundo. O principal nome a ser destacado é o documentarista bielo-russo Sergei Loznitsa, candidato à Palma de Ouro (e à Caméra D’Or, dado ao melhor estreante) com seu primeiro filme de ficção, My Joy. Alegria não há em seu longa-metragem, em que qualquer esperança de felicidade e amor é esmagada sem dó. É uma produção bastante pessimista, mas de estrutura muito engenhosa e com uma das sequências iniciais mais impactantes deste Festival de Cannes, com um homem morto sendo arrastado pela lama.

Temáticas

Em relação a temas, o 63.º Festival de Cannes teve muitos filmes sobre a paternidade. O assunto surge tanto nos já citados Biutiful, sobre um pai à beira da morte que cuida sozinho dos dois filhos, Chongqing Blues e La Nostra Vita quanto em Un Homme Qui Crie, do Chade, dirigido por Mahamat-Saleh Haroun, sobre um pai culpado por ter mandado o próprio filho para a guerra civil – seus motivos, porém, não ficam muito claros.

Vários longas-metragens falaram de morte (e envelhecimento), presentes, de uma forma ou outra, em produções tão diferentes quanto os já comentados Biutiful, Uncle Boonmee e Route Irish. Além deste filme de Ken Loach, o conflito que se arrasta no Iraque aparece também no thriller Fair Game, de Doug Liman, enquanto a Guerra da Argélia é abordada em Des Hommes et Des Dieux, de Xavier Beauvois, e Hors la Loi, de Rachid Bouchareb – este último, aliás, causou polêmica antes mesmo da exibição e provocou um forte esquema de segurança, com revista de bolsas e proibição de entrada com garrafas de água, no Grand Théâtre Lumière.

O melhor

O mais curioso, porém, é que o provável melhor filme do 63.º Festival de Cannes estava fora de competição e teve exibição única. Carlos, de Olivier Assayas, com cinco horas e meia de duração, baseia-se na vida de Ilich Ramírez Sánchez, também conhecido co­­mo Carlos, o Chacal, hoje preso na França por ter matado dois policiais na década de 1970. Ele comandou ações ousadas como a invasão de uma reunião da Opep e a tomada de ministros de vários países produtores de petróleo como reféns. Fez negócios com a Stasi e o Iraque de Saddam Hussein, da Síria à Líbia.

Dependendo de quem fala, é chamado de terrorista ou mercenário. O filme dá conta de toda a complexidade de um personagem controverso e imprevisível e das implicações políticas, sem abdicar da ação e do drama. A produção não ficou de fora da disputa da Palma de Ouro por conta de sua duração – afinal, o longuíssimo Che disputou a Palma de Ouro em 2008 – nem por pressões devido a seu conteúdo polêmico. A obra de Assayas não esteve na competição por ter sido produzido para a televisão, mesmo que seu cuidado e sua direção sejam os mesmos do cinema. Carlos faz pensar que talvez seja hora de abolir essas fronteiras.

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