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Truman Streckfus Persons (1924 – 1984) assumiu o Capote do padrasto para assinar os textos que o tornariam famoso nos EUA primeiro e no mundo em seguida. Nascido em Nova Orleans, criado pelas tias – a mãe tinha apenas 16 anos quando o pariu –, lançou seu primeiro livro aos 24 anos. Antes e depois, publicou contos na revista The New Yorker, céu das letras americanas (à época e ainda hoje). O lançamento do filme Bonequinha de Luxo (1961), baseado em novela sua, famoso por imortalizar a atriz Audrey Hepburn e a joalheria Tiffany’s, elevou sua fama à enésima potência – ao menos no universo nova-iorquino.

Todas as peças, contos, romances e poemas que escreveu vivem à sombra de sua obra-prima, A Sangue Frio, síntese bem-acabada da relação entre notícia e estilo: o romance de não-ficção, como o próprio decidiu chamar, batendo no peito e dizendo que havia criado um novo gênero literário.

É preciso que se diga que o novo jornalismo, ou jornalismo literário, já existia antes de Capote. O que não faz A Sangue Frio ser menos clássico do que é. Daí um dos aspectos mais fascinantes de Capote, o filme, com estréia nacional hoje nas principais cidades do país. Sob a direção de Bennett Miller, o personagem-título é reencarnado por Philip Seymour Hoffman (e "reencarnado" é a palavra para descrever sua interpretação).

Em 1959, pai, mãe e dois filhos são assassinados em uma fazenda do Kansas. Ao ler o jornal, a notícia curta e sem qualquer detalhe chama a atenção de Capote, que vende a pauta para William Shawn, editor da The New Yorker. Com o respaldo da revista, viaja para a cidadezinha de Holcomb e dá início ao escrutínio.

Capote era gay, se vestia como um dândi e falava mole, em parte porque tinha a língua presa, em parte porque era bastante afetado. No local em que homens de echarpe são uma aberração, o escritor precisou da ajuda de Nelle Harper Lee, amiga de longa data conhecida pelo único romance que escreveu, To Kill a Mockingbird, por sua vez, famoso por render o clássico O Sol É para Todos (1962), com Gregory Peck.

A maior qualidade do longa-metragem é a disposição em não transformar seu protagonista em "gênio incompreendido", "pessoa boa", ou lançar mão de qualquer outra solução politicamente correta para tornar cinebiografias mais palatáveis. Capote era venenoso, egocêntrico, egoísta e autocentrado. Um sol exigindo que todos orbitassem em torno de si.

Não demorou para a polícia encontrar Perry Smith e Richard Hickock, culpados pelo assassinato da família Clutter. Condenados à morte, ficam presos até o cumprimento da sentença. Capote se torna próximo de Smith – especula-se inclusive que ambos teriam se tornado amantes. A cumplicidade entre ambos foi essencial para A Sangue Frio. O livro ficaria perfeito se terminasse com a morte dos criminosos – o que acabou acontecendo seis anos depois dos homicídios. O problema é que o enforcamento nunca vinha, adiado inúmeras vezes pelo advogado que o escritor arranjou, pois queria mais tempo para conversar com Hickock e, sobretudo, com Smith.

Quando os assassinos não mais o interessavam, Capote recuou (levando o advogado consigo) e aguardou o fim do processo. Não à toa, foi acusado de omisso por seus contemporâneos. Há quem diga que poderia ter evitado as execuções porque tinha acumulado entrevistas que provariam o caso de insanidade. Um momento simbólico do filme acontece na festa que Harper Lee dá para comemorar a acolhida dada ao seu livro. Capote vai ao evento arrastado pelo companheiro com quem viveu uma espécie de casamento aberto, o também escritor Jack Dunphy. Transtornado pela sobrevida dos bandidos, mal disfarça a frustração por não conseguir finalizar A Sangue Frio.

Com um martini na mão direita, cigarro na outra, é incapaz de compartilhar da alegria da amiga, lamenta que está sofrendo, "morrendo" porque o caso da família Clutter não termina nunca. Ele aguardava, ansioso, o fim dos assassinos – só assim poderia concluir o livro. Capote não tinha consideração alguma por ninguém, a não ser talvez por si mesmo. O Oscar 2006 de ator já é de Philip Seymour Hoffman. Se não for, será um crime. GGGG

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