Acompanhei por 90 dias o trabalho de uma figura lendária do jornalismo policial-literário brasileiro, numa investigação que desmentiria a própria polícia. Isso em 1979, época em que a polícia atuava como grande parceira do regime militar. Participar desse trabalho como estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná, junto com Rosane Baptista, foi como fazer parte de um filme policial com um enredo político, no qual interesses poderosos conspiravam contra a verdade.
Estávamos no final da ditadura, mas o processo de abertura política era "lento e gradual", como os próprios militares definiram a transição para o regime democrático. Quem se atrevia a contrariar as regras do jogo corria riscos. Ainda havia medo de represálias. A tortura política executada por setores da polícia, a mando do regime, estava acabando. O método, porém, ainda era usual nas delegacias para extrair "confissões" de suspeitos por crimes comuns.
Octávio Ribeiro foi contratado pelo editor Faruk El Khatib, dono da extinta Revista Atenção, para contar em um livro-reportagem a história do assassinato da estudante de filosofia e professora Arlene Hansel, encontrada morta em 1977, no Morro do Guabirotuba, em Curitiba.
A ideia de investigar o caso, encerrado pela polícia havia dois anos, surgiu da inquietação que o assunto provocou nos repórteres que faziam a cobertura do crime. Entre eles estava o jornalista Mauro Bastos, que participou da edição do livro.
Os jornalistas desconfiavam que o inquérito policial era uma obra de ficção montada para esconder a verdade. O pai da vítima, Rodolfo Hansel, declarava em público que não acreditava na versão oficial. Hansel aumentou a repercussão do caso quando afirmou que o assassino de sua filha não era o servente de pedreiro Luis Carlos Lira, nome apresentado pela polícia como autor do crime.
Octávio Ribeiro precisava encontrar provas, testemunhas, documentos. Não bastava uma testemunha. Ele queria encontrar todas que pudesse. Conhecido como "Pena Branca", o repórter que inspirou uma série na TV Globo chamada Plantão de Polícia (protagonizada por Hugo Carvana) era incansável.
Nada de ilações, informações em off, opiniões baseadas no que ele achava. O que Octávio Ribeiro achava tinha que ser provado não por indícios ou evidências, mas pelos fatos, testemunhas-chave desprezadas pela polícia, documentos, contradições no inquérito ou por detalhes minuciosamente estudados nos laudos do Instituto Médico Legal.
Trabalhar 12 horas por dia em um caso como o assassinato de Arlene Hansel demanda do jornalista uma saúde de ferro. Naquela época, a saúde de Octávio Ribeiro parecia abalada pelo excesso de peso, pela boemia e por uma paixão desmedida pelo trabalho. Paixão movida, muitas vezes, pela cocaína que corroeu seu corpo.
Acompanhar o raciocínio da fera do jornalismo investigativo brasileiro não era coisa para amadores. A cabeça do homem era um turbilhão de informações sobre o caso. O trabalho foi estressante, houve brigas. No final, nenhum de nós queria mais pensar no assunto.
A versão da polícia foi desmontada pela série de provas que Octávio apresentou no livro Quem Matou Arlene Hansel? A pergunta ainda era feita dois anos depois de o servente de pedreiro Luis Carlos Lira ter sido acusado e condenado pela unanimidade dos jurados a 25 anos de prisão.
Lira foi julgado sem direito a apresentar ao Tribunal do Júri de Curitiba testemunhas de defesa, que foram solenemente ignoradas na investigação da polícia. A investigação jornalística provou que, no dia e hora do crime, Lira estava a cem quilômetros de distância de Curitiba, trabalhando na estrada da Graciosa, perto de Morretes. Mais de dez testemunhas confirmaram, em entrevistas gravadas e com fotos, ter estado com ele no momento do assassinato de Arlene.
Nada disso fez com que Lira fosse levado a novo julgamento. Ele passou mais algum tempo na cadeia e acabou sendo libertado antes de cumprir a pena. Os fatos apurados pela reportagem revelaram que Lira foi apenas um nome apresentado pela polícia para oferecer uma satisfação à opinião pública. Ou uma tentativa de esconder o verdadeiro assassino.
Nem o pai de Arlene, nem o diretor do colégio onde ela estudou e lecionava, um padre e professor de Filosofia, acreditaram na polícia. Nem mesmo sua melhor amiga, que formou-se em Psicologia e foi trabalhar justamente na Penitenciária do Ahú, onde, por ironia do destino, atenderia Lira. Trinta e três anos depois do crime, ninguém sabe quem matou Arlene Hansel. Todos souberam que não foi Lira. O jornalismo fez sua parte.
*Teresa Martins é jornalista.



