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 | Osvalter Urbinati
| Foto: Osvalter Urbinati

Parece troça, mas uma das lembranças mais tristes da minha vida tem a ver com o Chaves. Morava, com meus pais e meu irmão sete anos mais velho, num apartamento de dois quartos no Rebouças. Eu e ele dividíamos um beliche de madeira e alternávamos as horas de acordar.

Ele, lá pelos 18, se levantava, passava o Axe debaixo do sovaco, e ligava o rádio quando ainda estava escuro. Eu, aos 11, sempre abria os olhos – e fingia não me incomodar, de certa forma tentando compreender a situação. Minha casa era confortável. Ainda que eventualmente incômoda.

Em uma tarde de sábado, minha tia bateu à porta do apartamento número 6 da Alferes Poli 977. Uma confusão danada. Ouvi um barulho, vi uma cena que não compreendia por completo – seres humanos em alta velocidade criavam um borrão. Ela estava tonta, de novo. Pelos meus cálculos de infância, minha tia estava tonta havia muito tempo. Parecia que sempre esteve tonta, na verdade. Balançava de dia e à noite, e eu nunca entendia o porquê. Só sei que meu pai ficava nervoso com isso.

Nos fins de tarde, eu voltava de uma partida de futebol no corredor debaixo, ou de uma volta de bicicleta na esquina, ou de uma compra pequena na padaria – ia de pijama e retornava com doces de amendoim no bolso quadriculado.

Estava acostumado a fazer o que devia fazer e a voltar para casa naquele instante inesquecível do horário de verão, quando o vento da noite, fresco, parece não fazer sentido condicionado àquele breu de céu. Nessas horas, a Telefunken estava ligada em algum canal entre o 2 e o 9, quase sempre no 4.

Numa tardezinha dessas, depois de outra visita inesperada, a coisa piorou. Fui retirado de cena por alguém que não lembro, em direção àquilo que chamávamos de sala de televisão – um espaço com dois sofás duros que formavam uma esquina, uma mesinha de madeira lustrosa (e amarela demais) onde colocávamos figurinhas de chiclete Ping Pong e o videogame, para que o fio do Master System chegasse até nós de uma maneira minimamente confortável.

Entramos na sala e Chaves aprontava. Embananava-se com situações mundanas, escondia-se no barril depois de levar a culpa injustamente e devorava um sanduíche de presunto assim como nós, eu e meu irmão, idolatrávamos Danette de sobremesa ou Cini Gengibirra: porque era só no fim de semana.

Por isso tudo, quando entrei na sala de televisão, lembro que ri. Ri muito, gargalhei, mesmo enquanto enxugava lágrimas que vieram sem avisar.

Chaves era isso: tinha o poder de instantaneamente transformar o mundo num lugar melhor. Sua fórmula repetitiva, para uma criança, era os céus e funcionava como cafuné (sabíamos o que iria acontecer e adorávamos). Desde então, aquele seriado tosco e inocente, alegórico e encantador, sempre foi um chão a mais. Uma alegria confiável. Uma segurança incondicional. Em paz, Roberto Bolaños. Em paz.

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