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Entre as canções do ícone da música brasileira gravadas pela dupla paranaense estão "Estrada Branca", "Chovendo na Roseira" e "Modinha" | Junior Lima/Divulgação
Entre as canções do ícone da música brasileira gravadas pela dupla paranaense estão "Estrada Branca", "Chovendo na Roseira" e "Modinha"| Foto: Junior Lima/Divulgação

CD

Tom do Sertão

Chitãozinho & Xororó. Universal Music. R$ 21,90. Sertaneja/MPB

Se na época do primeiro hit de Chitãozinho & Xororó, "Fio de Cabelo" (1982), a música sertaneja e a MPB eram mundos separados, a dupla paranaense pode dizer que encolheu boa parte desta distância ao longo da carreira. Um atestado disso foi o projeto que comemorou as quatro décadas da trajetória dos cantores em 2011, o 40 anos – Sinfônico, que contou com participações de medalhões como Djavan e Caetano Veloso, além da orquestra de João Carlos Martins.

Curiosamente, o passo mais ousado nesta direção é o que fez mais sentido: trata-se de Tom do Sertão, o mais novo trabalho da dupla, em que os irmãos de Astorga (PR) se lançam sobre a obra de Antônio Carlos Jobim (1927-1994). O encontro, que parece esteticamente incompatível à primeira vista, se sustenta na escolha do repertório, que selecionou as canções de Tom mais ligadas ao universo interiorano, como "Chovendo na Roseira", "Correnteza" (com Luiz Bonfá), "Estrada Branca", "Modinha" e "Caminho de Pedra" (as três últimos com Vinicius de Moraes). "Depois que montamos repertório é que fomos percebendo que esse disco foi o disco mais sertanejo que já fizemos em toda a nossa história", diz Xororó, em entrevista por telefone para a Gazeta do Povo.

O músico conta que as canções vieram depois da escolha do nome do projeto. Foi sugestão de Chitãozinho, depois que Xororó, influenciado principalmente por Sandy – que volta e meia era convidada para cantar Tom Jobim –, surgiu com a ideia de gravar a obra do maestro. "Quando decidimos que o nome seria Tom do Sertão, ficou mais fácil. Porque a ideia foi trazer o Tom para o nosso universo o máximo que podíamos, sem perder a característica da harmonia riquíssima que as músicas do Jobim têm", explica Xororó.

Versões mais pop, como "Águas de Março" e "Eu Não Existo Sem Você" – um tanto sem sal – e algumas escolhas questionáveis, como a roupagem country para "Chega de Saudade", resvalam no artificialismo que costuma rodear releituras de obras por intérpretes esteticamente distantes das versões originais. Mas músicas como "Chovendo na Roseira", "Caminho de Pedra", "Se É Por Falta de Adeus" e "Se Todos Fossem Iguais A Você" se aproximam desta ideia. São interessantes em termos de sonoridade ao misturar tradição e modernidade, usam bem as referências regionais e soam naturais nas vozes e no estilo da dupla. A música e a poesia de Tom ao lado de parceiros como Vinicius mostram sua universalidade ao se assentarem bem sobre uma linguagem menos sofisticada, o que é um achado mesmo para quem não se dá bem com a música sertaneja.

"O maestro João Carlos Martins falou que no Sinfônico, que fizemos juntos, nós estaríamos apresentando a música sertaneja para o público erudito, e a música erudita para o público sertanejo", diz Xororó. "Sempre achamos que a música não tem fronteiras. Sabíamos que não agradaríamos a todos, e jamais teríamos essa pretensão. Com Tom do Sertão, queríamos agradar e chamar a atenção de um público que não estava acostumado a ouvir a música sertaneja. Mas o que mais estamos buscando é apresentar essa obra do Tom Jobim, tão maravilhosa, para o grande público do Brasil que consome música sertaneja."

Memória

Mara e Cota, caipiras pioneiras

O projeto de Chitãozinho & Xororó não é o primeiro a lançar um olhar interiorano sobre a obra de Tom Jobim. Tudo indica que se tratou apenas de uma brincadeira, mas um disco de 78 RPM em 1959 trazia "Eu Sei Que Vou te Amar" e "Eu não Existo sem Você" com trajes caipiras.

A interpretação era de "Mara e Cota", dupla que o jornalista Ruy Castro revelou, em 2000, nunca ter existido de fato.

Tratava-se de uma parceria entre a cantora carioca Sylvinha Telles, então com 25 anos, e a curitibana Stelinha Egg, que tinha 45 anos e já era uma conhecida cantora e compositora de musica sertaneja e folclórica.

Conforme escreveu Castro no jornal O Estado de S. Paulo, tudo não passou de uma jogada comercial. Sylvia e Stella, contratadas da Odeon, estavam entre os nomes do elenco que não vendiam muitos discos, e que eram alvo de reclamação por parte dos executivos ingleses da gravadora que os via como artistas que só agradavam a intelectuais.

O artista gráfico César Villela, ao ouvir as queixas, sugeriu como solução formar uma dupla caipira com Sylvinha e outra cantora. Era piada, mas a ideia colou. A gravação não foi muito longe e acabou esquecida, tornando Mara e Cota um mistério até Ruy Castro ouvir a história de Villela.

"Separadas" e com seus nomes verdadeiros, cada cantora deixou seu nome na história. Sylvinha se tornou uma das principais intérpretes da bossa nova, mas morreu ainda na década de 1960. Stelinha, que se fixou na capital paranaense nos anos 1980 ao lado do marido, Lindolfo Gaya, morreu em 1991. Ela não se apresentava desde a morte do companheiro, em 1987.

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