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 | Ilustrações: Osvalter Urbinati Filho
| Foto: Ilustrações: Osvalter Urbinati Filho

Quando cruzou o Atlântico para disputar a Copa da França, em 1938, Leônidas da Silva não era apenas o grande ídolo do Flamengo, já naquela época a maior torcida do Brasil. Era também o maior jogador do futebol brasileiro – posto que só perderia no Mundial de 20 anos depois para outro rapazinho negro e de habilidade extraordinariamente acima do normal como ele. Mesmo com tal currículo, Leônidas ficou assustado quando viu da escotilha do navio a multidão a recepcioná-lo primeiro no porto de Salvador, depois, no do Rio, no retorno da Europa.

Dos gramados franceses, Leônidas não trouxe apenas um honroso terceiro lugar de uma seleção desacreditada, cujo treinador, à menor intempérie, chegava a trocar todos os jogadores de uma partida para outra. Todos, menos Leônidas, ressalte-se. O atacante, então com 25 anos, trazia também o posto de artilheiro da disputa com sete gols e o status de melhor jogador daquela Copa. Combinação que despertou o interesse dos fãs, como também de empresas interessadas em vincular suas imagens à do craque.

A primeira a procurá-lo foi a fabricante de goiabada Peixe. Poucos dias depois do contato, segundo a biografia Diamante Eterno, escrita pelo jornalista André Ribeiro, o sorriso elegante de Leônidas era estampado ao lado da marca em anúncios de mais de um quarto de página de todos os jornais cariocas. A publicidade, que repercutiu muito bem nas vendas da Peixe, teve custo praticamente zero. De pagamento, o jogador recebera do empresário Manoel de Brito, proprietário da indústria, uma única e simples lata da tão propagada goiabada.

Quem abriu os olhos do craque foi um amigo. Disse a ele que da próxima vez cobrasse um porcentual para emprestar seu nome a um reclame publicitário, como eram chamados os anúncios na época. Pela popularidade que tinha, o atacante do Flamengo e da seleção seria capaz de aumentar as vendas de qualquer produto, mesmo que fosse de qualidade duvidosa. Leônidas concordou. Mas com uma condição. Como seu tino para negócios era inversamente proporcional a seu talento no gramado, deixou a função de fechar os anúncios com o próprio amigo.

E assim, de maneira mais do que direta, mas sem noção da transformação que estava se processando, o jornalista José Maria Scassa transformou Leônidas da Silva no primeiro jogador brasileiro a se tornar garoto-propaganda. Foi ele quem intermediou a negociação de lançamento do chocolate Diamante Negro – apelido dado pela imprensa francesa ao craque no Mundial de 38 – com a Lacta, indústria paulista adquirida pela multinacional americana Kraft Foods em 1996. Passados 73 anos, Diamante Negro ainda é o chocolate ao leite mais vendido do Brasil. É também o segundo tablete mais consumido no país, além de ser exportado para cinco países.

Uma parceria que deu certo não só para a Lacta, como para o próprio Leônidas. Depois de batizar o chocolate, o jogador não parou mais de vincular sua imagem à mais variada gama de produtos, de cigarros a relógios. Sempre recebendo cotas únicas por anúncio, de valores nada extraordinários, que apenas complementavam o salário na Gávea. Tudo muito diferente da relação dos jogadores de futebol de hoje com o mundo da publicidade.

Neymar

Dos míseros 2 contos de réis que Leônidas recebeu pelo Diamante Negro, ao R$ 1,5 milhão por mês que Neymar recebe de contratos publicitários com nove empresas (sete delas multinacionais que, dentro em breve, passarão a explorar a imagem da jovem revelação também no exterior), os valores cresceram imensuravelmente. Os contratos com Ambev, Nike, Panasonic, Tenys Pé Baruel, Lupo, Red Bull, Santander, Unilever e Claro – os três últimos assinados depois de novembro, quando o atacante renovou com o Santos até 2014, ano em que tem tudo para ser o melhor jogador da Copa no Brasil – foram fundamentais para mantê-lo no país.

Graças aos acordos com os anunciantes, dos quais o Santos abriu mão dos 30% a que tinha direito pelo contrato anterior, a renda mensal de Neymar alcançou os incríveis R$ 3 milhões. E engana-se quem pensa que o Santos perde dinheiro por repassar integralmente os valores das campanhas publicitárias a Neymar. Só com a confirmação da permanência dele na Vila Belmiro, a diretoria do clube paulista pretende aumentar em 30% as cotas dos anunciantes em sua camisa. A previsão é de que o lucro salte de R$ 27 milhões em 2011 para R$ 35 milhões ano que vem.

Com tal renda, Neymar pode se dar o luxo de ser dos poucos jogadores no Brasil com renda equiparável ao do multimilionário futebol europeu – o que ajudou a espantar o assédio de Real Madrid e Barcelona, que começavam um duelo para levá-lo à Espanha. O valor do santista no mercado da bola também já figura nos padrões europeus. Único a atuar no continente americano na lista dos 20 jogadores mais caros do balanço anual da Pluri Consultoria, Neymar é o sexto mais valioso do mundo no momento. Seu passe vale R$ 122 milhões, exatamente metade do atual número um do mundo, Lionel Messi, do Barcelona. Além do argentino, o santista fica atrás somente do português Cristiano Ronaldo (R$ 219,6 milhões), do espanhol Iniesta (R$ 158,6 milhões), além do também espanhol Cesc Fábregas e do inglês Wayne Rooney (cada um valendo R$ 134,2 milhões).

De salário, o Peixe paga outro R$ 1,5 milhão ao atacante. A título de comparação, o salário de Neymar é 40% menor do R$ 1,9 milhão pago pelo todo poderoso Real Madrid ao pentacampeão mundial Kaká, brasileiro mais bem pago no mundo, sexto entre todos os atletas do futebol, segundo o site Futebol Finance. Para os padrões humanos, a diferença de R$ 400 mil dos vencimentos de Kaká para os de Neymar é uma quantia inimaginável. Para as cifras praticamente infinitas do futebol internacional, nem tanto.

Pelé

No primeiro ano do Campeonato Brasileiro, em 1971, Pelé, que havia recém-conquistado sua terceira Copa do Mundo, recebia o salário mais alto de sua gloriosa carreira até aceitar a proposta do Cosmos de Nova York para voltar a jogar em 1977, após um hiato de três anos parado. Instado ao posto de Rei do futebol desde os 17 anos, quando assombrou o mundo pela petulância de dar um balão em um adversário dentro da pequena área para marcar um gol em plena final de um Mundial, aos 31 Pelé fazia parte da seletíssima lista dos 15 jogadores mais bem pagos do futebol nacional. Ao lado dos companheiros de seleção Tostão, Jarzinho, Carlos Alberto Torres, entre outros jogadores, o filho ilustre de Três Corações (MG) recebia, conforme levantamento da revista Placar de 24 de setembro daquele ano, cerca de Cr$ 10 mil por mês, o equivalente hoje a aproximadamente R$ 275 mil. Um salário alto mesmo para o futebol brasileiro atual. Mas que não chega a 20% do atual holerite de Neymar, que ainda nem disputou um Mundial.

Pelé, é claro, também ganhou muito dinheiro com publicidade. Depois de fazer um sem fim de reclames publicitários ao longo da carreira, foi em 1970, prestes a se tornar tri, no México, que o Rei fechou o primeiro dos inúmeros contratos internacionais que mantém até hoje. A associação do nome Pelé ao primeiro café solúvel produzido no Brasil caiu como uma luva às pretensões da indústria Cacique de conquistar o mercado estrangeiro.

Já à época uma das personalidades mais conhecidas do mundo, paparicado por ilustres do quilate da rainha Elizabeth II, da Inglaterra, do papa Paulo VI, do secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger e do multifacetado artista plástico Andy Warhol, Pelé era o nome mais do que certo não apenas para introduzir, mas para alavancar as vendas do produto no exterior. E o sucesso da parceria foi imediato. No primeiro ano de contrato com o melhor de todos os tempos, a Cacique, fundada apenas 11 anos antes, consolidava-se como a maior empresa exportadora do setor no país. Posto que levaria muito mais tempo a ser alcançado não fosse a imagem de Pelé associada à marca.

Ao longo das últimas quatro décadas, consumidores de países tão distantes quanto China, Grécia e Rússia se acostumaram a ver a imagem do Rei não só nos gramados, como em outdoors pelas ruas, a segurar uma xícara de café em propagandas. Hoje, o Café Pelé é vendido em 76 países dos cinco continentes.

Fenômeno

Mas o maior nome da evolução do marketing esportivo mundial não é Pelé. É Ronaldo. Fenômeno dentro e fora de campo, o dentucinho desengonçado de Bento Ribeiro, na periferia carioca, que não tinha dinheiro para pegar condução para treinar e que estourou aos 17 anos no Cruzeiro de Belo Horizonte, em 1993, revolucionou não só a relação dos atletas com os patrocinadores, mas, principalmente, com o público.

Até 1994, quando o Brasil conquistou o tetra nos EUA com Ronaldo no banco, a Nike nem sequer tinha uma linha de produtos voltada ao futebol. Ao assinar contrato vitalício estimado em US$ 100 milhões naquele ano com o adolescente promissor que se transferia da Raposa para o futebol europeu, mais especificamente ao holandês PSV Eindhoven, a empresa norte-americana passou a peitar a hegemonia da alemã Adidas na venda de materiais esportivos.

Quatro anos depois, quando Ronaldo lançava na Copa da França de 1998 a principal linha de chuteiras da marca, a Mercurial, que ao longo desses anos calçou os pés dos principais craques do mundo, só a divisão de futebol da Nike faturava US$ 40 milhões. Em 2009, a empresa fechou seu balanço com faturamento de US$ 1,7 bilhão em vendas atraladas ao esporte – cerca de 10% do rendimento total da companhia naquele ano. Ao longo dos últimos anos, a empresa também incorporou ao seu casting outras marcas de peso, algumas delas com forte ligação com o futebol, como a inglesa Umbro.

Toda essa transformação da Nike em multinacional globalizada do mundo futebolístico teve Ronaldo como engrenagem matriz. Durante a disputa da Olimpíada de Atlanta, em 1996, o Barcelona anunciou a contratação do garoto ainda chamado de Ronaldinho. Quando percebeu que o potencial daquele adolescente talentoso aumentaria vertiginosamente jogando por um dos maiores clubes de futebol do planeta, a Nike decidiu associar ainda mais sua marca a Ronaldo. No ano seguinte, tornava-se de vez uma gigante do futebol ao passar a fornecer uniformes à seleção brasileira.

Somente no último Mundial disputado pelo Fenômeno, na Alemanha, em 2006, quando se transformou no maior artilheiro de Mundiais, com 15 gols em três edições jogadas, a venda da número 9 representava 30% das camisas da seleção vendidas no Brasil. Um sucesso que nem a série de contusões, o excesso de peso e o escândalo com travestis conseguiram alterar.

Em 2008, o atacante assinou com o Corinthians, que só conseguiu tirá-lo do Milan graças, justamente, às empresas interessadas em associar suas marcas ao jogador. Pelo acordo com o Timão, Ronaldo tinha direito a 80% do faturamento da venda de anúncios nas mangas da camisa e no calção do uniforme corintiano. E pretendentes não faltaram. Em menos de um mês o clube fechou os patrocínios, que garantiarm uma renda mensal de R$ 400 mil até a anunciada aposentadoria do atacante em fevereiro deste ano.

Nova fase

Nos negócios, Ronaldo segue na ativa. Dono da maior empresa de marketing esportivo do país, a 9ine, o ex-atacante gerencia, entre outras, contratos de publicidade do próprio Neymar (que tem quatro patrocinadores iguais aos do Fenômeno) e de seu companheiro de Santos, o meia Paulo Henrique Ganso, bem como a do lutador Anderson Silva, maior expoente do UFC.

Criada no ano passado – antes mesmo de abrir seu escritório em São Paulo, a empresa tinha 100 marcas interessadas em negociar contratos com atletas –, o investimento inicial da 9ine foi de "apenas" R$ 5 milhões. A previsão é de que o faturamento chegue a R$ 50 milhões em quatro anos. Valor suficiente para comprar não uma, mas várias indústrias inteiras de goiabada.

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