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Outdoor acusa a rede de cinemas AMC, recém comprada pela empresa chinesa Wanda, de ser uma marionete nas mãos dos orientais | Patrick T. Fallon/Bloomberg
Outdoor acusa a rede de cinemas AMC, recém comprada pela empresa chinesa Wanda, de ser uma marionete nas mãos dos orientais| Foto: Patrick T. Fallon/Bloomberg

Nas torres com os outdoors sobre a Sunset Boulevard, uma mão de um titereiro, como nos pôsteres de “O Poderoso Chefão”, de décadas atrás, puxa os fiozinhos de Hollywood. Sobre essa imagem, paira uma pergunta perturbadora: “O Fantoche Vermelho da China?”

O outdoor é obra de Rick Berman, um lobista com uma missão contra aquilo que ele mesmo descreve como “a dominação comunista do nosso cinema”. O alvo, no caso, é o Grupo Dalian Wanda, dono da segunda maior cadeia de cinemas dos EUA e da Legendary Entertainment, a coprodutora de “Se Beber Não Case”. Seu fundador, o bilionário Wang Jianlin, esteve recentemente em Los Angeles para sediar um evento na cidade cuja indústria mais famosa já o adotou.

O ramo do entretenimento pode muito bem receber de braços abertos a invasão de dinheiro vinda da Wanda e outras empresas chinesas, mas Berman enxerga perigo nisso. Esses investidores estão ganhando um poder que, ao seu ver, será usado para influenciar a opinião pública e produzir filmes que agradem aos governantes da nação mais populosa do mundo.

“Se tudo continuar na trajetória atual, jamais veremos um vilão chinês no cinema”, ele disse, por telefone, da sede de sua firma de assuntos públicos Berman & Co., em Washington. Ele é conhecido por suas táticas linha-dura em nome da indústria alimentícia, da indústria de bebidas alcoólicas, do tabaco e de energia, o que lhe rendeu o apelido de Dr. Evil pelo seu lobby contra os sindicatos.

A campanha de Berman para chamar mais a atenção do governo para os riscos dos investimentos chineses na indústria do entretenimento já funcionou com alguns membros do Congresso, fazendo barulho e gerando alarme num ramo que aprecia muito o acesso ao mercado imenso da bilheteria da China e está cada vez mais dependente do apoio de suas empresas.

Dependência

“Provavelmente, com exceção de Wall Street, a China é a maior investidora que Hollywood já viu”, disse Robert Cain, consultante e parceiro da Pacific Bridge Pictures.

Uma raridade no ramo, Cain disse haver algo de preocupante, de fato, na ânsia chinesa pelo que se chama de poder brando como influência cultural e econômica. “Eu mesmo fui beneficiário dos investimentos chineses e fiquei muito feliz com os investidores com quem trabalhei”, porém, quanto aos que acreditam que os chineses só estão interessados em fazer dinheiro, diz ele, “esta é uma atitude bem ingênua e até mesmo perigosa”.

Outros ignoram Berman, taxando-o como um alarmista. A produtora Janet Yang, que tem em seu currículo filmes como “O Povo Contra Larry Flynt”, diz que não parecia ser coincidência esse assunto surgir à tona num ano de eleição em que Donald Trump falou mal da China, em particular, e da globalização, no geral.

“Não estamos fazendo distraçõezinhas”, disse Yang, cujos pais nasceram na China. “Nós criamos filmes que envolvem uma arte narrativa incrivelmente bem feita e cheia de nuances, e as plateias não irão tolerar nada que tenha cheiro de propaganda política”.

Os executivos dos estúdios ou se recusarem a comentar ou não responderam às nossas ligações e e-mails. A Motion Picture Association of America e a Dalian Wanda estão entre as que se recusaram.

Os chineses andam espalhando grandes investimentos por toda a indústria desde 2012, quando a Wanda comprou a operadora de cinema AMC Entertainment Holdings. Vários blockbusters recentes – inclusive “Missão: Impossível – Nação Secreta” e “O Exterminador do Futuro: Gênesis” – foram em parte financiados por empresas chinesas.

“A AMC Theatres é uma empresa norte-americana administrada inteiramente por sua equipe de empresários norte-americanos, em sua sede localizada, desde o começo de sua história de quase 100 anos, próxima a Kansas City”, declarou a AMC. “A Wanda não participa de nada da administração diária da AMC, nem toma decisões ligadas aos filmes que passam nos nossos cinemas. Mas a Wanda tem sido uma acionista incrível para a AMC, fornecendo o apoio capital necessário para permitir que a AMC reforme os seus cinemas em todo o país”.

Agenda política

Um dos estúdios mais recentes, o STX Entertainment, que tem uns dois anos de idade, contou com ajuda, para começar a operar, da firma de capital privado Hony Capital, arrecadando milhões em acordos com a Huayi Brothers Media Corp. e Tencent Holdings Ltd. Na semana passada, a Alibaba Pictures Group Ltd. disse que estaria investindo na Amblin Partners, produtora que conta com o apoio de Steven Spielberg.

A Wanda tem andado ocupadíssima. Fundado por Wang – ex-oficial do Exército de Libertação Popular – , o conglomerado comprou a Legendary em janeiro e fechou um acordo para fazer filmes com a unidade de cinema da Sony Corp. A AMC tem planos para comprar a Carmike Cinemas Inc., enquanto a Wanda tem conversado com a Dick Clark Productions, da qual planeja adquirir o controle acionário. E Wang afirmou que gostaria de controlar um dos seis principais estúdios de Hollywood.

Ele estará promovendo a Qingdao Metropolis Movie, que pertence à sua companhia, um complexo em construção na costa leste da China, na segunda-feira, no Los Angeles County Museum of Art. O evento, só para convidados, foi anunciado como uma Noite para Negócios Sino-americanos.

“Eu não acho que a Wanda esteja comprando todas essas empresas de cinema porque querem dominar o mercado da pipoca amanteigada”, disse Berman. “Esses caras têm uma agenda política diferente”.

Segurança nacional

Berman administra a sua missão de salvar Hollywood a partir de uma organização com fins não-lucrativos chamada de Center for American Security, que conta com um orçamento de US$400.000, parte do qual é dinheiro do seu próprio bolso e parte derivada de doadores que ele não quis identificar, mas que descreveu apenas como “defensores da segurança nacional”. Berman montou um site, www.chinaownsus.com, para expor os seus argumentos. “Meu objetivo é mostrar ao público em geral um ponto de vista que não costuma chegar até ele”, diz ele.

Um vídeo no site mostra a cena de “Laranja Mecânica” em que Malcolm McDowell é forçado a assistir a filmes com os olhos dolorosamente arregalados, para sugerir que Beijing poderia decidir quais filmes o público norte-americano verá. Um outro vídeo intima que o roteiro para “Perdido em Marte” teria sido alterado para incluir uma narrativa pró-China. O filme de Matt Damon, porém, na verdade, estava sendo fiel ao livro, em que o programa espacial chinês ajudou a resgatar um astronauta norte-americano perdido.

Autocensura

Os estúdios dos EUA francamente precisam do acesso à China, tanto quanto precisam do dinheiro chinês, e dependem de parcerias para distribuir seus filmes no país, onde as regulamentações impõem restrições pesadas quanto a filmes estrangeiros. Por conta do potencial do mercado chinês, Hollywood vem praticando a autocensura sem que o país em si precise intervir, segundo afirma Stanley Rosen, professor da University of Southern California, que estuda a relação entre a China e a indústria dos EUA.

“Ao fazerem um filme, eles garantem que ele terá elementos que agradem ao público chinês e certamente que não tenha nenhum que desagrade”, ele disse. “Não importa quem seja o dono da companhia”.

Os estúdios por vezes fazem versões diferentes de filmes para os cinemas da China, onde, antes de ser consumido pelo público, tudo precisa passar pelo teste severo da Secretaria de Cinema, um braço do órgão de Administração do Estado de Imprensa, Editoria, Rádio, Filme e Televisão. O filme “A Viagem”, adaptação do livro “Atlas de Nuvens”, da Warner Bros., chegou aos cinemas de lá em 2013 com as cenas de sexo cortadas. A Walt Disney Co. mandou para a China uma versão especial do “Homem de Ferro 3” naquele ano também, com atores chineses e cenas adicionais.

Lista negra

Cain, da Pacific Bridge, que faz a consultoria para estúdios dos EUA sobre como fazer negócios na China, diz que será a ausência de certos tipos de filmes que será a prova do efeito danoso dos investimentos chineses em Hollywood. “Quem vai querer ser a pessoa que vai entrar na lista negra chinesa por fazer um filme sobre o Dalai Lama?” ele disse, se referindo ao líder espiritual do povo tibetano que tem vivido no exílio desde que a China anexou o Tibete.

A indústria do entretenimento não é nem de longe a única dos EUA que tem atraído o capital chinês. Houve mais de US$ 18 bilhões em investimentos diretos vindos do país no primeiro semestre de 2016, segundo o Rhodium Group, mais do que o total do ano inteiro de 2015.

Companhias norte-americanas controladas por chineses dominam o cenário, desde a Smithfield Foods Inc. até o verdadeiro marco da paisagem nova-iorquina que é o Waldorf Astoria Hotel. Ambos foram examinados pelo Comitê de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos, conhecido pela sigla CFIUS, que trata das aquisições de empresas norte-americanas por estrangeiros.

Suspeita

Agora, graças a Berman, o Escritório para Prestação de Contas do Governo (GAO, na sigla em inglês) dos EUA está verificando se o escopo do CFIUS deveria ser expandido formalmente, à luz daquilo que 18 membros do Congresso chamaram de “sérias questões de segurança” trazidas à tona pelo frenesi de compras da Wanda. Os legisladores, numa carta datada de 15 de setembro, pediram ao GAO para que estudasse se as auditorias do CFIUS deveriam incluir um foco sobre questões de propaganda política e controle da mídia e outras instituições de poder brando.

Wang disse à CNN no dia 28 de setembro que os dois políticos democratas e 16 republicanos que assinaram a carta estavam “exagerando as suas preocupações”.

Os advogados do Akin Gump Strauss Hauer & Feld, num memorando do mês passado, avisaram aos clientes para tomarem cuidado, que a auditoria indicava que o comitê poderia ampliar a sua atividade no estudo de acordos na indústria do entretenimento. “Não dá para ignorar que é um problema em potencial”, disse John Burke, chefe da prática de entretenimento da firma.

Pode ser só uma questão de tempo e dinheiro, disse Nova Daly, consultor sênior de políticas da Wiley Rein em Washington. “As coisas poderiam, em tese, chegar a um ponto em que esse tanto de investimentos na indústria vindos de um só país como a China começariam a ser vistos com alguma suspeita”.

Tradução: Adriano Scandolara
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