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Código de conduta embala as noites de fandango

Aprender a dança caiçara não é tarefa difícil, mas é preciso conhecer alguns costumes para não cometer nenhuma gafe no salão

O tablado costuma ficar cheio. É de praxe que só os homens tirem as mulheres para dançar | Henry Milléo/ Gazeta do Povo
O tablado costuma ficar cheio. É de praxe que só os homens tirem as mulheres para dançar (Foto: Henry Milléo/ Gazeta do Povo)
Mestre Nemésio (de chapéu), do grupo Pés de Ouro, anima os bailes de fandango |

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Mestre Nemésio (de chapéu), do grupo Pés de Ouro, anima os bailes de fandango

O relógio marca 22 horas e os músicos já estão a postos. Com a viola na mão, o mestre fandangueiro Nemésio Costa avisa: "O baile vai começar e a festança só acaba às 4 horas da matina". Em volta do tablado – de tábuas largas e flexíveis para ressaltar a sonoridade das batidas do tamanco –, montado no centro do Mercado do Café, em Paranaguá, a disputa das damas pelo melhor lugar nas poucas mesas disponíveis é grande. Afinal, quanto mais próximas da pista, maior é a chance de serem convidadas a dançar uma moda.

Elas vão chegando aos poucos, acompanhadas de seus esposos e namorados ou, na maioria das vezes, de amigas fandangueiras. A produção é feita com esmero: vestidos de festa, maquiagem impecável e perfume no ar. Os cavalheiros não ficam atrás e também capricham no traje para impressionar o público feminino. A vestimenta, contudo, é apenas um mero detalhe neste cenário, onde o importante é ter um bom bailado.

O convite

No baile de fandango do Mercado do Café, as damas são maioria. Sentadas nas mesinhas, elas abanam seus leques e aguardam um convite para dançar, enquanto os homens vão fazendo suas escolhas. Figuras já conhecidas, José Cardoso, o Zequinha, de 75 anos, Seme Balduino, de 68 anos, e Claro Gonçalves de Oliveira, de 76 anos, não arredam o pé do tablado nem durante o intervalo entre uma moda e outra. Quando uma música para, já retornam ao centro da pista e voltam os olhos para as mesinhas, em busca da próxima companheira para bailar.

Muitas vezes o convite é feito de forma tão discreta que chega a ser imperceptível. Basta um olhar, um gesto rápido com a mão ou um sinal com a cabeça para a senhora se aproximar. Antigamente, um convite recusado significava, para a dama, passar o restante da noite na cadeira: caso fizesse uma desfeita a um cavalheiro e aceitasse ir para a pista com outro, a briga era certa. Hoje, mesmo sem a imposição, dificilmente uma dança é recusada.

Convite feito e aceito, o tablado vazio vai se enchendo de pares rapidamente. Quando duas mulheres são avistadas dançando juntas é sinal de que está faltando homens de atitude no baile. Ou ainda, de que os cavalheiros estão deixando a desejar, brincam os fandangueiros experientes. A tradição manda que, rapidamente, dois homens subam ao tablado e tirem cada uma das damas para a dança. Convidar apenas uma delas seria uma grande grosseria, dizem os frequentadores.

Cortejo

Um cavalheiro interessado em cortejar uma dama no baile deve, em sinal de respeito, tirar para dançar primeiro a mãe da moça, caso ela esteja no salão. Mas, se a avó (ou até a bisavó) da garota também estiver no baile, elas têm prioridade nos primeiros passos. Isso vale também para quem chega pela primeira vez em um baile de fandango. Um homem respeitador convida, primeiramente, a senhora de mais idade do salão para a primeira moda.

Outra tradição fandangueira levada a sério é a de que no baile não se beija. Discrição é palavra de ordem. Se a dama tiver interesse pelo cavalheiro, e ambos forem desimpedidos, ela pode demonstrar isso com um aperto na mão do companheiro durante a dança. Se for correspondida, o encontro pode ser combinado, mas só após o final da festa, já que ninguém quer largar o baile no meio.

Pés de Ouro foi atração na última noite

Enquanto os foliões se divertiam com os desfiles das escolas de samba e dos animados blocos carnavalescos, nos quatro dias de carnaval de Paranaguá, o grupo Pés de Ouro comandou a última noite do Baile do Fandango no Mercado do Café, no Centro Histórico, na terça-feira.

Ao som da viola e voz do violeiro e mestre Nemésio Costa, entre um bailado e outro, oito casais de senhores e seis de jovens, que fazem parte do grupo, fizeram apresentações dos batidos – quando os homens usam tamancos de madeira, intercalando palmas e tamanqueado no tablado, acompanhados pelas mulheres em coreografias circulares.

A tradição do fandango percorre gerações e, no baile, mestre Nemésio estava acompanhado da sobrinha, Márcia Reis, de 39 anos, que ajuda a organizar os bailes do grupo, de alguns netos, que participam da ala jovem, do irmão, Anoldo Dias da Costa, e da tia, Lourdes Costa, que também confecciona as roupas usadas pelas mulheres. "A tradição do fandango na família vem do meu tataravô, ou até antes. Já não se sabe mais", conta Márcia.

Há bailes no mercado durante todo o ano, menos no período da Quaresma, em que os fandangueiros fazem uma pausa no arrasta pé para guardar os quarenta dias até a Sexta-feira Santa.

Confira mais imagens do baile:

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