Rápido, muito e certo. O jeito mais difícil de fazer as coisas. Não por acaso, a tinta da lata escolhida pelo Beijo AA Força para escrever seu nome no muro. Muito mais do que a grande banda curitibana, o BAAF foi um delirium tremens que a cidade teve. Sofrendo sempre de abstinência da integridade que a gente só encontra no melhor punk rock.
Já confessei aqui mesmo, e reitero em qualquer pau de arara, que fui desmamado pelo som que saiu deste movimento. Noites muito frias. Muita poesia, mulheres nebulosas, excessos e acordes punk. Luxúria deliberadamente proxeneta. Uma história que pode ter acabado no último domingo, quando a formação clássica do BAAF se reuniu para tocar seu último concerto. Será?
A tarde perfeita de outono parece ter sido contratada. O auditório do MON, mesmo acostumado a vitupérios e galhofas de antigos inquilinos, deve ter ficado assustado. Botas bicando as poltronas. O tapete parecia o chão sujo do bar, do tempo em que a gente entrava e saía pelos buracos, propensos ao crime. O tempo das diligências.
Esta escalação da banda, aliás, é como aqueles grandes times lembrados todos os dias nos balcões. O baterista Mola Jones talvez seja o melhor músico do quarteto. A guitarra do Ferreira tem voz própria, indefectível, implacável. O baixista Renato Queje é o motor V12, vísceras envenenadas de punk. Rodrigão é, com o perdão da palavra, um puta vocalista. Linha de frente, o cara que vai para a porrada e deixa a marca da ferradura onde pisa.
Tocando desde o começo dos anos 1980, o som que fazem juntos foi a sopa no mel para ao menos duas gerações de poetas e malucos que os orbitaram. Alguns não menos que brilhantes. Como nas convenções de políticos, "cumprimentando aqui a Sérgio Viralobos, cumprimento a todos". Os vivos e os mortos.
Viralobos talvez seja mesmo o mais importante na história da banda e da cena toda à sua volta. Escreve poemas punk para serem gritados. Um mestre que se mostrou um monstro. Ainda que a maioria das composições seja coletiva. Um hábito ético levado às ultimas consequências nas letras do BAAF. Quem só trouxe o isqueiro, ou deu risada ou falou uma palavra certa apenas, também leva os créditos. Como tem de ser. Mas a caneta sempre fica na mão certa.
Foi assim que o BAAF fez discos excelentes. Música Ligeira nos Países Baixos e Sem Suíngue são, para o meu gosto, melhores que os melhores. Álbuns que a gente ainda ouve em velhas vitrolas quando vai visitar os amigos fundamentais.
Há quem, com crueldade mental, questione o que deu certo ou errado. Como foi ou como deveria ter sido. Ora, a cada minuto nasce um otário e contra eles é proibido jogar limpo. Se eles não viram, não quiseram ouvir ou sentiram repulsa, azar o deles. Aliás, vejam só o que lhes aconteceu.
Aqui na cidade onde o barbeiro pode furar sua jugular, o BAAF saiu com muitos copos de desvantagem, mas chegou muito à frente. A retaguarda do avanço. Sem tirar, nem Vapors. Os donos da farra. Nas boas e nas más fases. Tortura na língua dos poetas polacos.
Parece que desta vez, acabou. Pode ser. A gente nunca sabe como as coisas vão terminar. A única certeza é que um dia chegará sorridente o agente funerário. Esta é a piada louca. Nosso jeito de fazer. O jeito certo. Rápido. E muito. Sem essa de último gole, valsa, tiro, murro, grito ou navalhada. Os últimos serão para sempre os primeiros. Será mesmo que morreu? Antes ele do que eu. Urra...
O texto acima contém linhas emprestadas (tantas que é impossível indicar) de letras do BAAF e de poemas do livro Piada Louca, de Sérgio Viralobos (Nossa Cultura, 235 págs. R$ 20).
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