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 | Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo
| Foto: Ricardo Humberto/Especial para a Gazeta do Povo

São 21h09. O dia foi comprido. Eu estou sentado ainda na frente do computador, mas agora estou numa inércia quase total.

Estou ouvindo Bach. O segundo concerto pra violino.

Estou usando uma camiseta preta com uma partitura, que eu comprei em Leipzig, quando fui visitar o túmulo dele.

Nem tinha me dado conta da coincidência antes de baixar a cabeça quando vi que já devia ter escrito a coluna desta semana. Mergulhado em Bach.

Hoje cedo, enquanto arrumava as coisas do café da manhã, 16 horas atrás, eu fiquei ouvindo a Passacaglia e Fuga em Dó menor. Passei o dia inteiro cantando aquilo.

Sério, foi como se ela não tivesse saído da minha cabeça um segundo. Até ser expulsa por esse concerto…

Bach está na minha vida desde mais ou menos os meus 15 anos. Eu passo às vezes um tempo sem ouvir, até porque quando começo, tendo a não parar, e tendo a achar que toda a música universal fica anã, fica sem graça. Neste momento estou num período Bach que já dura meses.

Eu, por “sorte”, saí do mundo da música profissional. Escapei do medo e da competição que por exemplo aniquilam, no belíssimo romance “O Náufrago”, de Thomas Bernhard, toda a carreira, e toda a vida de um pianista depois de ele ouvir, por uma porta entreaberta, um jovem Glenn Gould tocando a Ária das Variações Goldberg. Bach, claro.

Talento pode ser aterrador.

E eu às vezes tenho medo de Bach. Tenho medo da Chaconne, medo dos Concertos de Brandemburgo, e muito medo da obra para órgão.

Medo de nunca mais deixar de achar que o resto da música do mundo é anã. Medo do quanto eu sinto que posso gostar tanto da música dele que corro o risco de aniquilar uma partezinha de mim.

Sabe amor?

O que a gente sente, raramente, tão raramente, por outras pessoas, filhos, cônjuges, amigos, irmãos, pais… cada um faça sua combinação. Aquele tipo de amor de olhar pra uma pessoa e pensar que a intensidade do que você sente por ela é capaz de te destruir. Se ela for embora. Se ela sumir. Ou se você se deixar consumir por esse amor. Nesse amor.

Mas é uma pessoa. Concreta.

E a gente dá jeitos de se envolver e ao mesmo tempo de se defender. Sexo pode ser isso. Um jeito de se defender de um amor que, se ficasse todo mental, podia explodir.

Mas a música é a mais incorpórea das artes.

E o fato é que sentir esse amor por obras de arte (jogue a primeira pedra) pode parecer portanto mais arriscado. Pode ameaçar consumir de vez.

Sexo?

Aprenda a tocar um instrumento. Eu tento.

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