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 | Ricardo Humberto/
| Foto: Ricardo Humberto/

Uma vez eu vi uma entrevista com o compositor japonês Toru Takemitsu, morto em 1996. Queriam saber o que mais lhe chamou a atenção quando ele veio ao ocidente pela primeira vez. Dentre todas as coisas que ele podia ter mencionado, ou pra ser mais preciso, dentre todas as coisas que nós ocidentais podíamos pensar ou até desejar que ele tivesse citado, o que ele evocou, com um sorriso tranquilo foram: cortinas.

Cortinas ao vento.

Ele vinha do interior do Japão, casas com painéis de papel de arroz. Nenhuma cortina. Nada da ideia de pedaços coloridos de pano que balançam ao vento e vez por outra fogem pela janela, acenando para as pessoas na rua, trazendo o que ele via como um elemento de poesia para cada casa, cada apartamento.

É o olhar do estrangeiro, como sempre, nos fazendo ver com outros olhos a nossa realidade.

Takemitsu, claro, tinha razão.

*

Eu tive um colega de mestrado (oi, Caibar) que ficava fazendo fotos de prédios em construção, ou em reforma, toldados por aquelas redes de contenção de detritos em queda. Ele dizia que queria montar uma série de fotos chamadas “As Noivas”.

*

Eu acabei de ter a minha primeira experiência de ouvir um romance inteiro em audiobook. Foi Il Gattopardo, de Lampedusa, narrado por Toni Servillo, ator do genial filme A grande beleza.

O livro é lindo. Uma viagem melancólica e acima de tudo nostálgica pela Itália dos anos 1860 e, na verdade, por todo o mundo que passava dos vestígios finais de um aristocrático século XIX para o “reino” do que naquele momento parecia, a todo mundo, que seria a definitiva modernidade do século XX.

Achei encantador ouvir as dez horas de leitura.

Eu tinha lido, convencionalmente, o romance lá no começo dos anos 90 e, como sempre, não lembrava lhufas. Vamos ver quanto dessa audição vai ficar, quanto vai ser soprado pelo vento do tempo que passa.

Por enquanto, danço contente ainda naqueles bailes e salões palermitanos.

*

Terminei o livro agora há pouco, depois de estender dois lençóis no varal.

Pus os lençóis pra fora porque ventava pouco (eles não iam bater na parede do prédio) mas bastante o suficiente pra eles secarem mais rápido.

Ouvi os últimos quarenta minutos do livro ali parado na frente da janela, um pouco preocupado com o vento e com a limpeza dos lençóis brancos, um pouco gelado pela janela aberta, um pouco simplesmente encantado pelo ligeiro movimento dos panos, velas claras contra o céu fechado.

Tempo que passa.

Vento siciliano balançando o meu enlevo gattopardesco.

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