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 | Ilustração: Ricardo Humberto/
| Foto: Ilustração: Ricardo Humberto/

Tempos atrás teve toda aquela celeuma em torno da ideia de se “atualizar” a linguagem de Machado de Assis. Deixemos claro, antes que me queiram trucidar: eu nem sou a favor.

Agora, se alguém quiser fazer uma edição pra leitores mais jovens, sem “coches”, “bandós”, “tremós” etc… eu até não reclamo muito.

(O problema, sempre, vai ser onde parar.)

Você tem que lembrar que a gente já não lê exatamente o “original”. Como sabe quem já mexeu com edições mais antigas (ou com o INCRÍVEL site machadodeassis.net), ele escrevia “dous” e não “dois”, por exemplo. E oitras trocentas diferenças de ortografia.

(De novo, o problema é saber onde parar… troco “Ele me não disse” por “Ele não me disse”?)

Claro que uma boa edição anotada resolveria todos os problemas, mas, ainda assim…

As línguas mudam, e o fato é que, se uma obra permanece, vai chegar algum momento em que o texto vai ter que ser alterado pra ela poder ser lida com alguma familiaridade.

O Genji Monogatari, romance de mil anos de idade, tem que ser traduzido ao japonês contemporâneo.

A Demanda do Santo Graal (século XV) já foi traduzida ao português de hoje por Heitor Megale.

Shakespeare tem todo um histórico (às vezes mais, às vezes menos feliz) de adaptações e regularizações do texto.

Gregório de Mattos (século XVII) e os poetas árcades mineiros (XVIII) tendem a ser editados com correções.

De novo, é questão de onde parar. Ou onde começar.

Mas não dá pra demonizar de vez o processo de atualização, nem fingir que ele já não existe.

Quer ver? Os Lusíadas foi escrito bem no momento em que o idioma virava gente grande, menos de quarenta anos depois da primeira gramática. Logo, não é de se estranhar que o texto ainda ostentasse certas “irregularidades” da língua pré-clássica.

Camões não tinha ainda aceitado, como nós, que o ditongo “ão” se escreve assim quando for tônico mas, quando átono, vira “-am”, como em “compram”.

Às vezes até o vocabulário mudou. Pra Camões, o contrário de “amigo” é sempre “imigo”. Mas eu aposto que a versão que você leu só tem “inimigos”.

Lembra de “Monty Pithon em busca do cálice sagrado”? A versão mais alucinada da velha Demanda do Santo Graal, em que os cavaleiros têm que encarar os terríveis Cavaleiros que Dizem NI?

Pois aqui entram em cena os editores que dizem “ni”…

E o que é que tem de mais nisso tudo?

Ora, todos os versos d’Os Lusíadas têm dez sílabas poéticas. Menos os que têm esse NI!

E jacaré percebeu?

Nem você.

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