• Carregando...
 | Ricardo Humberto/
| Foto: Ricardo Humberto/

No romance Graça Infinita, de David Foster Wallace (primorosamente traduzido por este que vos coluneia, ehehe), há um momento que eu adoro analisar em sala de aula. Um trecho todo da narrativa, que se passa num futuro próximo, em que se discutem as consequências do surgimento do que o narrador chama de videofonia.

E vamos lembrar que o livro foi publicado em 1996 (antes do Skype, crianças!) por um sujeito pra quem, como pra mim, conversa com vídeo era coisa dos Jetsons. (Aliás, como me lembrou a Sandra, uma vez, foi quase certamente de uma piada dos Jetsons que ele tirou a ideia.)

O negócio é que no livro as pessoas ficam super empolgadas com a conversa por vídeo, até perceberem que não dá mais pra atender o telefone tudo churingado, descabelado… pior, elas se ligam que o vídeo exige que você pelo menos finja melhor que está atento, concentrado no que o outro diz: no telefone dava pra ficar rabiscando, cutucando acne, fazendo careta e sinalizando que a conversa está um porre…

Rola um stress nisso de “se comunicar” agora… Tem que ser “de verdade”…

Elas começam a comprar máscaras com versões descansadas, maquiadas e, acima de tudo, atentas dos seus rostos. Mas não acaba aí, páginas e páginas depois elas estão acoplando em cima da lente dos videofones pequenos dioramas que são miniaturas da sala de estar perfeita, linda, imaculada, com a pessoa perfeita e perfeitamente concentrada olhando empaticamente para a câmera.

O divertido (acredite em mim: é bem engraçado, no livro) é que na busca por essa “verdade”, por demonstrar sua “conexão”, elas agora contratam subcelebridades para posar para esses modelos!

Não é nem mais a imagem delas que aparece ali!

E todo mundo acaba voltando ao telefone.

….

Agora, dia desses a Sandra, sempre ela, veio me dizer que existe toda uma rede de serviços em que famílias contratam fotógrafos profissionais para acompanhá-las em uma viagem por Paris, por exemplo, com a finalidade (mais do que de fazer o book do périplo, o que já seria meio triste, na minha opinião) de fazer as fotos que eles vão postando no Instagram durante aqueles dias!

E as pessoas são instruídas. A coisa é profissa.

Fico imaginando uma cena tipo

— Vamos no Louvre!

— Mas, meu senhor, neste horário a luz vai estar linda na Île de la Cité… nossa foto vai humilhar a dos Matosinho-Carvalheira!

Eu sempre achei que as pessoas tendem (isso mesmo antes de celulares e tal) a inverter a ordem das coisas e tornar as fotos o fim da experiência.

Mas esse pessoalzinho das redes sociais está fazendo até criativos escritores alucinados parecerem uns tiozinhos sem noção….

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]