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Marcelo Camelo é um sujeito barbudo que sabe exatamente onde mete o bedelho. Pensa sobre sua arte como poucos, reconhece quem a ouve, consegue vislumbrar caminhos possíveis para seu processo criativo e tem aquilo que é essencial para que algo seja entendido como genuíno e singular: a entrega, os tão requisitados 100%.

Conversei com ele na última quarta-feira, por conta do lançamento de Toque Dela, seu segundo disco solo. E a clareza de seu pensar, suas reflexões, deram o tom do telefonema – a matéria sai na edição de amanhã do Caderno G.

Uma frase. "Tento oferecer uma ampliação do senso comum de bom gosto. Escolhi ser assim para tentar expandir essas fronteiras", ele me disse, quando o questionei sobre as diferenças do novo disco em relação ao álbum Sou, considerado por muitos um trabalho hermético e esquisitão. Pode soar pedante, até arrogante, mas a sinceridade às vezes adquire essa forma mesmo.

O que Camelo propõe é aguçar o olhar, levantá-lo por sobre a corrente de histerismo, como ele diz, que toma conta da música e, enfim, de toda essa vida amalucada e corrida que está aí. Um disco baseado em canções com voz e violão não era para ser estranho afinal de contas. Ou era?

Não importa. Toque Dela revela um sujeito totalmente entregue. Camelo teve a coragem de poucos. Colocou sua vida, seu momento atual, em um álbum. Ele fala sobre a mudança de cidade – saiu do Rio de Janeiro e foi para São Paulo morar com a namorada, Mallu Magalhães –, e, claro sobre essa relação. As entrelinhas existem, mas requerem um esforço descomunal para que as acessemos. Isso porque o que está ali, encaixotado em dez faixas, é tudo verdade.

Além do instinto criativo – ou dom, se preferirem –, a arte requer uma doação para se tornar completa. Pense no caso do escritor Cristovão Tezza. Sua longa trajetória na literatura só foi coroada com a publicação de Filho Eterno, em 2008. O livro fala de seu filho com síndrome de Down, antigamente um assunto-tabu para o escritor. A obra, na verdade, escancara esse fato, que um dia foi um problema. Tezza venceu os principais prêmios literários no ano seguinte. E ainda tirou um peso das costas. Se rendeu, enfim. Mas foi honesto consigo mesmo e alavancou sua arte para outro patamar.

Obviamente, tornar público um sentimento, no caso de Marcelo Camelo, ou uma relação familiar, no de Tezza, não é fácil. Ambos se desnudaram de seus próprios preconceitos, tiveram essa coragem.

Também durante a entrevista que me concedeu, Camelo disse que tudo que faz tem relação com sua vida pessoal. Com seu estado de espírito, com seu conceito de verdade. Pode parecer óbvio, mas assumir isso já é um grande começo para que algo genuíno – um livro, uma música – aconteça.

Às vezes não é preciso olhar para fora para buscar inspiração. Basta se perceber um pouco mais. Buscar a essência, às vezes deixada de lado por conta do corre-corre destes anos 2000, que nos exige um olhar mais periférico do que profundo.

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