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Que taxistas e porteiros são as melhores fontes do mundo, não há dúvidas. Dúvidas existem, no entanto, quando a opinião sobre algo se torna um chute daqueles, que ora acerta o alvo e embasbaca o jornalista, ora se transforma em palavras que dariam orgulho a Hunter Thompson, norte-americano maluquete, coração do jornalismo gonzo, aquele que nebula a relação entre o que é verdade e o que poderia ser. À história.

Numa fria tarde curitibana, embarquei em um laranja desses. Carro novo, bem cuidado, flanela laranja no painel, cheirinho de framboesa. "E esse frio?" – sou muito conservador no quesito frases protocolares, as entendo como um rito necessário.

"Pois, é rapaz", me disse o senhor, dono de um bigode que faria Groucho Marx repensar o seu. "Sabe o que aconteceu, né?". A pergunta me deu coceira nas mãos. Não se diz uma frase dessas para alguém que acabou de sair de uma redação de jornal. "Não sei não", disse eu, languidamente, esperando a conclusão daquele estopim já iniciado. "Pois é, rapaz" – ele gostava daquela expressão.

"Numa noite fria dessas aí, um pessoal viu uma fumaça estranha em um descampado". Ele era bom contador de histórias. Mudava as marchas entre as frases, que, em ritmo lento, sempre eram como aperitivos para a notícia que deveria surgir em breve. E usou a palavra "descampado".

"Disseram que foi em Campo Largo. Viram um troço cheio de luz baixar de repente". "E o que aconteceu?", perguntei, curvando o corpo para a frente. Queria ouvir melhor aquela voz que quase me fez pegar o bloquinho de notas. "Sumiu. Ninguém mais viu. Foi muito rápido". Poxa.

"Sumiu? Sumiu como?", insisti. "É. O mundo tá muito estranho, né? Tsunami, terremoto e agora essas coisas", me disse. Que coisas? Queria saber mais. De que tamanho era, de que cor eram as luzes, se algum homenzinho verde saiu do troço, o contato de alguém que tenha presenciado o sobrenatural. Ser Fox Mulder por um dia. "Só fiquei sabendo disso. Mas o mundo tá muito estranho, né?". Está sim. Cheguei em casa frustrado, mas fucei a internet atrás de alguma coisa voadora e fumacenta em Campo Largo. Nada.

Num outro dia, mais ameno, chego de bicicleta e cumprimento o porteiro da noite. "Bom andar de bicicleta, mas tem que ter cuidado. Ontem diz que um voou aqui perto." "Voou?". "É, se perdeu na rua, passou um carro e pluft." "Pluft?" "Acho que tá no hospital o rapaz, diz que um braço foi para longe, e as pernas pareciam carne moída". Engulo seco, procuro vestígios na rua e não acho nada. "Foi o que me falaram...".

O porteiro da noite tem o estranho hábito de acrescentar "esses" no final das palavras. Então, além de tudo o que ele fala ser plural, sua oratória se torna algo quase mágica, uma coisa meio élfica – pense em Galadriel, de O Senhor dos Anéis, até para dar um tempo em Harry Potter.

"Mas e veio a polícia, ambulância?". "Olha [pense nos silvos dos "esses"], não sei. Mas diz que foi feio, viu. Tem que tomar cuidado. Esse mundo tá muito estranho".

Fora pataquadas ufólogas ou sensacionalistas, continuo achando que taxistas e porteiros são ótimas fontes. E servem também como um termômetro para se ter a mínima ideia de qual é o zunzunzun do dia. Se é a seleção que não desencanta (por incrível que pareça não é um assunto unânime), se é o trânsito que não anda (sobre esse tema os taxistas desandam a falar), sobre as baladas em que vão resgatar meninas da alta sociedade alteradas pelos vários drinks ou sobre o mundo, enfim. Que tá muito estranho.

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