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Por esses dias, a jornalista norte-americana Lisa Muller se encasquetou e resolver perguntar, em um texto na New York Magazine: o que um Boeing desaparecido simboliza em um mundo em que as pessoas raramente se perdem? Sim. Porque se tampas de canetas Bic, guarda-chuvas e balas 7 Belo ainda nos fogem, um troço de 300 toneladas, convenhamos, não pode simplesmente sumir do mapa.

O mistério do voo 370 suscita obsessão e desespero porque não nos conformamos mais com o que não tem resposta. Em uma sociedade multiconectada e hiperracional, não há espaço para fenômenos que desafiam a ciência ou a fé. A imaginação fica em segundo plano; e temos cada vez menos paciência e intolerância com enigmas ocasionais.

É difícil escapar. Nossos melhores amigos sempre sabem onde estamos – o check-in na balada, uma foto do almoço caprichado ou de uma cerveja importada servem, não só como exercício de egocentrismo, mas como forma de comunicação direta, que satisfaz tanto uma demanda viciante e cíclica das redes sociais – "posto, logo existo" – quanto a ânsia de quem quer saber sobre alguém e acha que é um atentado ligar ou lhe bater à porta. A rotina escrutinada de amigos ou parentes nem tão próximos também nos é oferecida de bandeja, sem delongas, por mais que não queiramos. "It’s All Too Much."

O mundo anda tão estranho que não conseguimos nos perder deliberadamente. O melhor em visitar uma cidade estrangeira desconhecida, você deve saber, é caminhar sem destino. O que é praticamente impossível, já que o Google Maps diz sempre, com aquelas flechinhas coloridas, onde você está, para onde deve ir e quanto tempo irá levar até lá. Acostumamo-nos, enfim, a saber de tudo o tempo todo.

Assim, o sumiço do Boeing criou uma espécie de portal do tempo instantâneo, nos conectando com um mundo outro, em que coisas malucas e inexplicáveis aconteciam regularmente – homens iam caçar e nunca voltavam, imagine só. Nesses momentos, ficamos expostos a conceitos que os povos mais antigos davam como inquestionáveis, como o sofrimento de inocentes (sacrifícios por um bem maior e coletivo), causas sobrenaturais e distorção do que se entendia por destino.

Tendo em vista os acidentes semelhantes, é tarefa para mil Pollyanas pensar que a tripulação e os 239 passageiros do Malaysia Airlines – com seus smartphones e laptops – ainda estejam vivos. Mas não podemos nos negar a possibilidade disso. Então os imagino agora em uma ensolarada ilha do Oceano Índico, ainda não descoberta, ouvindo The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, do Bowie, no repeat, e rindo de nós, que ainda ficamos impressionados com mistérios bem mais difíceis de se compreender. Como a origem do rolmops. Ou a notícia de que os policiais militares flagrados arrastando o corpo da ajudante de serviços gerais Cláudia Ferreira da Silva por 250 metros pelas ruas do Rio de Janeiro estão novamente nas ruas.

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