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 | Ilustração: Osvalter Urbinati
| Foto: Ilustração: Osvalter Urbinati

Tenho um amigo que odeia futebol. Arrisco dizer que ele não sabe quem ganhou a Copa das Confederações. Tampouco que a seleção do Tahiti, apanhado de jogadores amadores que poderia ser o time oficial de Macondo, fez um gol na Nigéria e venceu por 1 a 6. Sua indiferença ao ludopédio é de dar raiva.

Esse mesmo amigo gosta de política e tem várias opiniões bem razoáveis sobre os motivos que fizeram o gigante acordar, mesmo na hora em que Fred deitou na grama, fazendo o primeiro gol contra a Espanha.

O que ele não sabe é que o futebol é um atalho para compreender uma sociedade, mesmo uma complexa e imprevisível como a brasileira. E uma pulsante como a espanhola.

As vitórias da Fúria nos últimos anos, depois de décadas de mediocridade e frustração, foram interpretadas como o reconhecimento simbólico da pujança econômica do país. O pano de fundo era a organização e a fluidez de uma partida do Barcelona ou da seleção. Em 2012, entretanto, a busca pelo bi da Eurocopa aconteceu em meio à crise generalizada, deflagrada um ano antes com o movimento conhecido como 15 M – em maio de 2011, multidões ocuparam os espaços públicos das cidades espanholas, exigindo reforma estrutural das instituições democráticas. Exceto pelo timing e pela origem do despertar (bancarrota do Estado lá, insatisfação general aqui), o Brasil foi a Espanha de 2012 na Copa das Confederações 2013. A diferença foi a forma como o que acontecia do lado de fora influenciou quem calçou as chuteiras.

Nenhuma seleção fica imune à temporalidade das crises. Ainda na fase de classificação, La Roja jogou uma partida horrenda contra a Croácia. Como no Brasil, não se trata de ganhar. É preciso encantar. E essa mais-valia estética, nessas horas, é a única coisa capaz de reerguer um país em depressão. Por aqui, em boas partidas como há muito não se via, o Brasil enxotou seus adversários. Em tempos de contenção e cortes, como viveu a Espanha, o estilo será mesquinho mesmo, sem brilho. Por outro lado, com a possibilidade de um novo momento político, com o inflamar de um povo, até Jô vira craque.

Mais: Vicente Del Bosque, o técnico da Espanha, queixou-se quando seu time avançou para as quartas. "Fomos os únicos que não nos abraçamos", lamentou o bigodudo. No Brasil, a 2.ª família Scolari comungou com a torcida que, como num ritual sagrado ("há no futebol o que nos é negado na realidade") cantou o hino a plenos pulmões, assustando adversários e resumindo o que acontecia lá fora.

O êxito nas Copas foi uma coincidência. A Espanha goleou a Itália na final, mas ganhou o título jogando sem emoção. Foi recebida melancolicamente em Madrid, porque a derrota maior já havia acontecido quando o desemprego bateu 25%. O Brasil engoliu a melhor seleção do mundo com energia comparada ao que acontecia nas ruas – também houve vitórias no Congresso, com votações às pressas.

Nunca se sabe o que é a História quando se está diante dela, assim como diante do amor e talvez da morte. Mas da próxima vez em que meu amigo perguntar sobre o que acho do país, vou dizer: rapaz, vá ver um jogo da seleção.

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