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Esfriai vossos pandeiros: Bandeira tremula em Curitiba | Isabella Lanave
Esfriai vossos pandeiros: Bandeira tremula em Curitiba| Foto: Isabella Lanave

Uma das grandes vantagens de ser adulto, brasileiro e empregado é poder ir até a banquinha de jornal e pedir deizão em figurinhas da Copa. Na Carlos Gomes as filas em busca dos stickers da Panini são costumeiras. E aos moços da banca os infantes bissextos já não causam surpresa. Há quem compre de cinquentão em cinquentão – é aquela montoeira doida de pacotes. É eficiente, mas atropela o tempo e encurta a brincadeira. Banaliza-se o prazer sádico em dilacerar o pacotinho sem ferir as figurinhas. Pior: a relação com o álbum esfria e completamos as 600 e tantas sem decorar a altura do Neymar, o peso do Xavi, e ver se, por um acaso, o Chicharito Hernandéz não faz aniversário no mesmo dia que você.

Em 1994, enquanto Bebeto ninava seu bebê invisível após o gol contra a Holanda, por aqui eu completava mais um álbum. Era difícil achar figurinhas da Bulgária, rapaz. A cotação de Hristo Stoichkov andava em cinco para um. E mesmo com aquela seleção brasileira de alma italiana – sempre retranqueira, embora cirúrgica, como no gol solitário contra os Estados Unidos –, eram fisicamente visíveis as energias que despendíamos em busca do simples ato de torcer.

Colocar bandeiras na janela do apartamento do Rebouças: verdadeiro ritual. Divertido era fazer tremular uma dessas nas ventarolas dos Chevettes, Monzas e Passats. Nas casas mais bambas ali do Batel, imensos mantos verdes e amarelos cobriam jardins de inverno por inteiro. Cheirávamos à Copa do Mundo. O clima de expectativa silenciosa culminava, depois dos jogos, em buzinaços e em fogos de artifício que coloriam os céus de junho. Multidões nos Fogos Lanza.

Pode até ser que a pirotecnia venha – ou que as miopias tenham aumentado – mas você há de concordar que, se a seleção está nos trinques, algo não vai bem ali na esquina a 12 dias do Mundial. Faz duas semanas, encontrei um jornalista uruguaio que se surpreendeu com a letargia com a qual o país do futebol está se preparando para receber o que deveria ser sua maior visita. "Se não me contassem que teria Copa aqui, nunca ficaria sabendo", exasperou-se.

Então, por onde andam as calçadas pintadas com as cores que deveriam nos sufocar? O que é que há com as ventanas desnudas, sem bandeiras a tremular? Que houve com os jogos de amarelinha em ruas de bairro que, em época de Copa, transmutavam-se do branco do giz para um verde e amarelo intenso? Onde estão os carros que antigamente levavam de carona na janela toda uma gente esperançosa? "Que pasó?", me perguntou o uruguaio. "Que pasó?"

Pode ser que o brasileiro cordial se anime mais com festas na casa do vizinho. É chato mesmo arrumar a bagunça no dia seguinte, lavar a louça que faz sumir a pia ou descobrir que algo importante – aquele livro autografado, o álbum branco dos Beatles – sumiu de supetão. Porque não é só colocar uma fitinha colorida no fio de luz. Materializar crenças e expectativas é um ato de fé. Por isso a estranheza incômoda, o silêncio retumbante e a indiferença calculada. Sendo assim, vai ter Copa e não vai ter. Ao mesmo tempo.

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