Uma das grandes vantagens de ser adulto, brasileiro e empregado é poder ir até a banquinha de jornal e pedir deizão em figurinhas da Copa. Na Carlos Gomes as filas em busca dos stickers da Panini são costumeiras. E aos moços da banca os infantes bissextos já não causam surpresa. Há quem compre de cinquentão em cinquentão é aquela montoeira doida de pacotes. É eficiente, mas atropela o tempo e encurta a brincadeira. Banaliza-se o prazer sádico em dilacerar o pacotinho sem ferir as figurinhas. Pior: a relação com o álbum esfria e completamos as 600 e tantas sem decorar a altura do Neymar, o peso do Xavi, e ver se, por um acaso, o Chicharito Hernandéz não faz aniversário no mesmo dia que você.
Em 1994, enquanto Bebeto ninava seu bebê invisível após o gol contra a Holanda, por aqui eu completava mais um álbum. Era difícil achar figurinhas da Bulgária, rapaz. A cotação de Hristo Stoichkov andava em cinco para um. E mesmo com aquela seleção brasileira de alma italiana sempre retranqueira, embora cirúrgica, como no gol solitário contra os Estados Unidos , eram fisicamente visíveis as energias que despendíamos em busca do simples ato de torcer.
Colocar bandeiras na janela do apartamento do Rebouças: verdadeiro ritual. Divertido era fazer tremular uma dessas nas ventarolas dos Chevettes, Monzas e Passats. Nas casas mais bambas ali do Batel, imensos mantos verdes e amarelos cobriam jardins de inverno por inteiro. Cheirávamos à Copa do Mundo. O clima de expectativa silenciosa culminava, depois dos jogos, em buzinaços e em fogos de artifício que coloriam os céus de junho. Multidões nos Fogos Lanza.
Pode até ser que a pirotecnia venha ou que as miopias tenham aumentado mas você há de concordar que, se a seleção está nos trinques, algo não vai bem ali na esquina a 12 dias do Mundial. Faz duas semanas, encontrei um jornalista uruguaio que se surpreendeu com a letargia com a qual o país do futebol está se preparando para receber o que deveria ser sua maior visita. "Se não me contassem que teria Copa aqui, nunca ficaria sabendo", exasperou-se.
Então, por onde andam as calçadas pintadas com as cores que deveriam nos sufocar? O que é que há com as ventanas desnudas, sem bandeiras a tremular? Que houve com os jogos de amarelinha em ruas de bairro que, em época de Copa, transmutavam-se do branco do giz para um verde e amarelo intenso? Onde estão os carros que antigamente levavam de carona na janela toda uma gente esperançosa? "Que pasó?", me perguntou o uruguaio. "Que pasó?"
Pode ser que o brasileiro cordial se anime mais com festas na casa do vizinho. É chato mesmo arrumar a bagunça no dia seguinte, lavar a louça que faz sumir a pia ou descobrir que algo importante aquele livro autografado, o álbum branco dos Beatles sumiu de supetão. Porque não é só colocar uma fitinha colorida no fio de luz. Materializar crenças e expectativas é um ato de fé. Por isso a estranheza incômoda, o silêncio retumbante e a indiferença calculada. Sendo assim, vai ter Copa e não vai ter. Ao mesmo tempo.
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