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"Igrejinha". A palavra é pequena, mas profunda. Pronunciada com ênfase nostálgica, é capaz de muito. É de um simbolismo tão humano. É forte, e ao mesmo tempo distante. É uma palavra que precisa ser recuperada de tempos em tempos. Esquecem-na, como se esquece o almoço do dia anterior.

Mas a ouvi esses dias, quando de um recital de Natal no Museu Guido Viaro. Quem tocava e cantava era o grupo Madrigal em Cena, que surpreendeu aos poucos que lá estavam com um repertório de canções espanholas do século 16 e brasileiras-folclóricas, daquelas que não têm dono. Um violão e um pandeiro, simples e eficientes, sustentavam a base para que barítonos, sopranos e contraltos se divertissem. Até que aconteceu.

"Igrejinha", cantou demoradamente uma soprano rechonchudinha e de semblante extremamente feliz. Eu não sabia o que fazer. Deu vontade de abraçá-la de súbito e interromper o que ela cantaria na sequência, inclusive cessar com os movimentos lentos que fazia com os braços. Talvez até tenha me impulsionado da cadeira para isso, tendo em vista que o amigo ao meu lado me olhou de soslaio.

A palavra me levou longe no tempo e no espaço. Levitou-me. Não sei se porque era Natal, mas lembrei da Igrejinha na qual estive por muitos 25 de dezembro quando criança. Era de um azul perdido. Construída com madeira aposentada. O soalho brilhava como panela areada. A Igrejinha continua firme. Eu é que nunca mais voltei a ela, e talvez por isso uma simples palavra tenha causado tanto rebu aqui dentro.

Mas é que a pronúncia daquelas sílabas, acredite, foi tão terna que desliguei a cabeça do que ouvia e comecei a pensar no que seria o que resolvi chamar de "atração dos diminutivos". "Bicicletinha". "Paçoquinha". "Estrelinha". "Cervejinha". "Robertinho".

As palavras assim, encolhidas, ganham em afeto. É como se se fantasiassem momentaneamente de algo que as deixasse mais bonitas do que realmente são. Como se fossem envolvidas em açúcar de confeiteiro – "cajuzinho..." – e tivessem uma capacidade única de, com seus "inhos" e "inhas", subverter uma lógica gramatical pré-estabelecida e, em alguns casos, até se tornar arma para políticas de boa vizinhança, como em "é só uma briguinha, deixa pra lá", ou "cabe uma notinha nessa página?".

Os seus antônimos, nesse sentido, são palavras gordas, imponentes, que, se tivessem vida, te­­riam o que se chama em homens parrudos de "peito de pomba". E igualmente caem no gosto dos brasileiros. Maior prova é a relação entre essas palavras e os estádios de futebol, arenas da maior celebração nacional. Pinheirão (PR), Engenhão (RJ), Mineirão (MG), Barradão (BA), Machadão (RN), Robertão (ES), Caranguejão (PR) e alguns que só com a ajuda do Wikipedia para lembrar, como Mirandão (CE), Abadião (DF), Gabrielão (ES), e o mais bacana de todos: Nagibão (MA).

O livro Milagrário Pessoal (Língua Geral), do angolano José Eduardo Agualusa, faz uma ode ao nosso idioma e informa: as palavras têm força e podem mudar o destino de quem as utiliza. O autor conta que há um local onde as palavras que estão por estrear – os neologismos – repousam tranquilamente. Os sons de nossa fala, sugere ainda o personagem do romance, teriam a ver também, historicamente, com o som das aves. Pois é. Imaginei agora um bem-te-vi trilando "igrejinha". E um urubu – alguém disse que essa é a palavra mais negra que existe – abrindo a boca e gorjeando "Nagibããão".

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