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Eles foram vizinhos e amigos de infância, de brincar juntos na calçada, até o dia em que ela foi para a turma das meninas e ele para a dos meninos. Mas continuaram se olhando como se tivessem perdido alguma coisa juntos.

Na escola, continuaram a se ver de longe, e ele de vez em quando puxava o cabelo dela, ela fingia que não gostava.

Um dia, no concurso de redação da classe, ela ganhou um caderno de capa dura, pediu para ele escrever alguma coisa na primeira página, ele escreveu "Alguma Coisa", e assinou Sr. Coiso.

Ela ficou olhando a página, e duas lagriminhas brotaram, mas ele não viu, já corria longe com os meninos, e ela ficou olhando como ele era o mais bonito de todos. Não sabia que ele, em casa, ficava por uma fresta da janela olhando ela brincar com uma amiga no quintal.

Um dia ele soltava papagaio na rua, deu uma ventania, o papagaio enroscou na antena da casa dela. Ele cortou a linha e correu para casa, a mãe chamando aflita, vinha tempestade.

Tomava um leite na cozinha quando a mãe falou meu Deus, essa menina é louca! Ele olhou: ela estava lá no telhado, pegando o papagaio da antena agitada de vento, raios riscando o céu, trovões rimbombando. Então correu, gritou para ela jogar o papagaio, ia precisar das mãos para engatinhar pelo telhado, ela jogou, ele pegou, ela desceu. Ele foi agradecer na casa dela, a chuva desabou, ficou lá tomando chá com bolachas, e, sem saber o que dizer, disse que nunca tomava chá, ela disse que é uma coisa boa.

Ele passou dias revendo o sorriso dela, os olhos brilhando, a dizer chá uma coisa boa, e exigiu da mãe chá todo dia, quente, gelado, batido, com leite, até chá com café quis tomar.

Mas um amigo disse que chá é bebida de fresco, ele parou com o chá, voltou a soltar papagaio, jogar béte, correr em carrinho de rolimã, até esqueceu dela. Até que, na escola, viu que no peito dela surgiam duas bolinhas, que foram crescendo como cresciam pelos entre as pernas dele.

Passou a sonhar com ela. Mesmo acordado, fechava os olhos, via ela, ela, ela. Até de olhos abertos só via ela, tanto que os professores chamavam dizendo para ele acordar, estava sonhando de olhos abertos? Estava. Até que, tremendo de pernas bambas, disse que precisava perguntar uma coisa a ela. Pergunte, ela disse sorrindo. Ele gaguejou q-quer na-me-migo, e ela riu perguntando que coisa era aquela, uma língua nova? Ele corou, respirou fundo, perguntou: quer namorar comigo?

Por que, ela perguntou. Porque é a coisa que mais quero, ele falou. Então eu quero também, ela falou sorrindo e estendendo a mão.

Das mãos dadas passaram para os beijos, depois de beijar ele sempre dizendo que ela era a coisa mais linda, e ela sorria dizendo que bom, só que não sou coisa, viu?

Beijavam em cada esquina na ida para a escola de mãos dadas, coisa mais linda, mas não sou coisa, viu?

No fim do colegial, na excursão com a turma, numa praia deserta de noitinha, ele falou quero te pedir uma coisa, deixa eu entrar em você, e ela disse tudo bem, mas quero te pedir outra coisa, use camisinha. Mas ele não tinha, disse que coisa, por causa de uma coisinha não vamos deixar de... Vamos sim, disse ela levantando e batendo areia do corpo.

Ele comprou uma dúzia de camisinhas, mostrou para os amigos, que passaram a fazer piadinhas, ela disse que coisa, mas ele lhe tapou a boca com um beijo.

Comemoraram num motel a aprovação no vestibular, mas foram fazer cursos diferentes, ele irritado porque se ela também fizesse um curso de ciências exatas, estudariam na mesma área do campus. Mas ela preferiu artes, com colegas desbocadas, que diziam o que pensavam e ele disse que isso é coisa de sapatonas. E ela deu de ter amigos, alguns com brincos nas orelhas, ele disse isso é coisa de bicha. Ela se zangava, ele dava um beijo, esqueciam.

Até o dia em que ele ficou de cara feia numa festa de amigo dela, ela passou dias sem atender ligação dele. Mas ele batalhou um beijo com elogios e presentes, ela esqueceu. Daí ele começou a querer saber onde ela ia estudar, com quem, fazendo caras e dramas. Ela disse se você me ama, confia! Ele disse não, quem ama desconfia!

Já se viam só para se contrariar, ele querendo saber o que ela fazia questão de não contar, por que? Por que?! – ele abriu os braços:

– Porque você é a coisa mais preciosa da minha vida!-Só que eu já cansei de te dizer que não sou coisa. Adeus!

Ela ainda não teve outro, mas anda feliz, e ele já andou infeliz com várias. Os amigos dele olham com dó e dizem pois é, quem diria, hem, ela quem chutou ele, quem diria, que coisa.

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