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Estou arriscado a me tornar avô a qualquer momento. Os dois filhos estão casados, uma das filhas também, e a outra tem só dezessete anos mas, hoje em dia, quem é que garante alguma coisa? Garantido mesmo, só imposto.

Aliás, ouvi falar que vêm aí caixas eletrônicos obrigatórios, monitorados pela Receita... Vai chegar o dia em que, ao nascer, cada cidadão receberá um chip embutido, que funcionará como os cartões de crédito-débito de hoje, eliminando totalmente de nossas vidas o dinheiro em notas e moedas. E, claro, a coleta de impostos nem será mais automática, será orgânica. Viveu, pagou.

Conectado à corrente sanguínea, o chip não funcionará se estivermos sob efeito de fortes emoções (medo, no caso de assalto, ou excitação, no caso de jogo).

Assim nos livraremos de ladrões e assaltos, mas o governo também perderá uma de suas grandes fontes de receita fácil, os jogos...

Os bancos também perderão, pois os chips só autorizarão débitos quando houver crédito em conta, eliminando os cheques especiais e seus juros agiotíssimos.

Ninguém precisará trocar dinheiro viajando: vigorará em todos os países um sistema monetário chamado mundi, como é hoje o euro na Europa. A diferença será que, para ganhar um mundi na Europa, a pessoa precisará trabalhar uma hora, e para ganhar o mesmo mundi no Brasil, a gente precisará trabalhar três horas, devido aos impostos.

Em compensação, o chip eliminará burocracia: o cidadão chegará numa repartição pública, suponhamos para um atendimento médico, e não precisará preencher ficha, só terá de passar um sensor sobre o chip e pronto, todos seus dados serão automaticamente colhidos, para poder entrar em fila como sempre...

O chip ficará alojado abaixo da pele, e não será no pulso, região sempre em movimento, muito sujeita a traumas. O chip ficará na nuca, a segunda região mais protegida do corpo, já que na primeira região mais protegida ficaria também muito escondido.

Para entrar num cinema, por exemplo, ninguém precisará enfrentar fila e bilheteria. Os sensores estarão lá, pendurados no saguão. Você pegará o sensor, passará na nuca e pronto, estará pagando o ingresso e ao mesmo tempo reservando lugar no mapa da platéia que aparecerá numa tela.

Colocarei créditos no meu neto como quem coloca hoje créditos num celular, através de transferência eletrônica do meu chip para o chip dele.

Ele me pedirá um sorvete e eu, para não levantar do banco de praça onde estarei lendo meu velho jornal impresso, comandarei por viva voz a transferência do crédito necessário, falando a senha bem baixinho para ninguém ouvir. Só o chip ouvirá, outra razão para ficar alojado na nuca, pertinho da voz.

Ao dormir, desativaremos o chip, para eliminar o risco de fazer alguma compra sonhando e falando durante o sonho.

Acabará a inadimplência no pagamento de impostos parcelados e compras a crédito: o débito será descontado automaticamente, nos dias aprazados, ou, com juros e multa assim que você tiver crédito no bolso, ou melhor, no chip.

As pessoas receberão pagamentos e salários autorizados via satélite, como é hoje a comunicação pelos celulares. Estou começando a achar isso ótimo, pois acabará com os bancos.

No entanto, claro que as companhias fabricantes de chips tomarão o lugar dos bancos, nos sugando o sangue, ou os créditos, por conta dos serviços prestados e das atualizações tecnológicas, pois será questão de status ter chips última geração, claro. Ou o governo nos obrigará a isso, levando sua comissão, claro (ou no escuro, se for por baixo dos panos).

As fraudes serão operadas por hackers que tirarão imperceptíveis centavos de milhões de pessoas, ganhando bilhões até serem descobertos. Cumprirão penas educativas, ensinando crianças e velhos a operar novos computadores que serão menores do que os celulares de hoje. E meu bisneto perguntará:

– Bivô, que que era dinheiro?

– Era a maior invenção humana, até que inventamos o chip.

– O chip é melhor, vô?

– Seria, se os governos e os homens também tivessem melhorado. Quer mais sorvete? Seu pai gostava de pistache...

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