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O inferno são os outros, disse azedamente Sartre.

Mais azedo que ele, Albert Camus também visitou o Brasil, em 1949, e escreveu um diário de viagem onde lamenta tudo, do clima às festas que lhe fizeram. Chega a lastimar que todos ouviam "um mulato compositor e cantor", Dorival Caymmi...

Além de azedo, pernóstico, elitista, arrogante e racista, Camus revela no seu livrinho uma presunção europeia que decerto o cegou para o Brasil. Veio não para ver um novo país e conhecer outra gente, mas para julgar tudo com olhos de francês metido a superior.

Ao contrário dele, o também francês Claude Lévi-Strauss escreveu sobre suas viagens pelo Brasil o monumental Tristes Trópicos, baita livro onde há trechos assim sobre Londrina, que ele visitou em 1935:

"Os emigrantes estavam inteiramente entregues às alegrias da abundância; famílias da Pomerânia ou da Ucrânia, que ainda não tinham tido tempo de construir casas, partilhando com o gado um coberto de tábuas armado junto do riacho, cantavam essa gleba milagrosa cujo ardor fora necessário quebrar primeiro, como se tratasse dum cavalo selvagem, a fim de que o milho e o algodão frutificassem em lugar de se tornarem vegetação luxuriante. Um cultivador alemão chorava de alegria mostrando-nos o pequeno bosque de limoeiros nascido de algumas sementes."

Um, olhava para julgar. O outro, para entender.

Não à toa, Lévi-Strauss reinventou a antropologia, ao ver e revelar que todas as civilizações, desde as tidas como avançadas até as vistas como primitivas, pautam-se por estruturas sociais semelhantes. O cacique não difere do primeiro-ministro ou do presidente da república. O ritual indígena não é oposto às celebrações religiosas, é a mesma coisa com outra roupagem apenas. Os valores ditos civilizados não são diferentes nem melhores do que os do índio visto como primitivo, o problema é praticar esses valores, como bem apontou Jesus.

Macaco, olha teu rabo, diz o ditado. Ou, como diz o caboclo:

- Vancê sabe que pra sê feliz é priciso antes desejá a felicidade dosotro, memo nimigo. E, pra sê infeliz, é só cê desejá mal prosotro, com inveja, ciúme, intriga, briga, que tudo isso vorta procê memo como rancô e margura, roendo a gente por dentro quinem cupim. No fim, de tanto desejá prosotro o mal, cê fica vazio quinem madera que cupim furô...

A primeira música de sucesso de Gilberto Gil, "Louvação", com letra de Torquato Neto, começava assim: "Meu povo, preste atenção/ repare se estou errado/ louvando o que bem merece/ deixando o ruim de lado."

Enquanto Gil seguiria em frente, Geraldo Vandré, que, em vez de louvar o que é bom, protestava contra o que era ruim, ficaria pela estrada (embora "Disparada" e "Caminhando" continuem no coração do povo, canções que olham para a frente em vez de mal-olhar em redor).

Em "Louvação", Torquato e Gil louvam também "o jardim que se planta/ pra ver crescer a roseira/ e a canção que se canta/ pra chamar a primavera".

É a crença de que as coisas melhoram quando a gente faz por merecer, plantando, e também a crença de que é preciso alegria, o contrário de reclamar. (E, talvez por não seguir a própria receita, Torquato Neto acabaria se matando...)

Ou, como diz o caboclo:

- Osostro pode sê um inferno procê, si ocê só vê o ruim nosotro. Se ocê percura vê o bom nosotro, cê só mióra e osostro mióra procê... Tem quem tem medo de abeia, achando que vai picá, e tem quem ama abeia porque faz mé...

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