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Deus decerto estava bem inspirado no dia em que criou o beija-flor (e você poderá dizer que também no dia em que criou o elefante, né: não seria Deus se não fosse capaz do delicado e do imenso, da delícia e do desastre).

Aqui na chácara temos um arbustão de afelandras, flores que atraem beija-flores como só. Alguns são tão miudinhos, de um verde-escuro tão brilhante, que parecem pérolas voadoras – ou chispantes, porque mais que voam, chispam de flor em flor.

Alguns penduraram seus ninhos, como sacolinhas de palha de longas alças, nas ramas do pinheiro do Paraná, mostrando que são tão miúdos quanto sábios: é árvore tão espinhenta, e com ramas tão finas, que nenhum gambá vai ali se aventurar buscando ovos.

Mas a história é que abri nova janela no escritório, para escrever com luz dos dois lados, e a nova janela não abre, é uma grande placa de vidro para entrar apenas a claridade. Pois foi com ela que se deparou o beija-flor que apareceu no escritório.

Quando vi, o bichinho subia e descia riscando o vidro com o biquinho comprido, as asas batendo tanto que sumiam, tentando achar caminho para a luz e o dia que via logo adiante.

Antes de tudo, fechei a porta, para os cachorros não entrarem, ou o beija-flor acabaria mascado.

Depois, esperei o bichinho parar, para pegar com a toalha que cobre a impressora, e devolver à chácara, mas que! Ele continuou a riscar o vidro para lá e para cá com o biquinho, como se desenhando na janela uma mensagem de socorro, as asinhas batendo freneticamente.

Esperando com a toalha na mão, fiquei imaginando: se as asas batem assim, quanto baterá seu coração? (Depois a Tia Net, também chamada Internet, me contou que coraçãozinho de beija-flor chega a quase 3 mil batidas por minuto, ou umas 50 por segundo!)

Finalmente ele parou, pousando na beirada estreita da janela, ofegante feito um beija-flor maratonista, e fui levando devagarinho a mão enrolada na toalha, vendo seus olhinhos tão miúdos como sementinhas de mostarda, e... ele voltou a voar, assustado com o bicho enorme com tão imensa pata.

Continuei a esperar, enquanto ele subia e descia pela janela. Fechei os olhos, ouvindo o frufru das asinhas como o motorzinho de um minúsculo ventilador, e orei.

Deus, você criou esse bichinho, e também criou a morte, mas me permita ajudar que não morra, Deus, pois não merece morrer já quem tanto luta pela vida e ainda pode visitar tantas flores, é primavera, Deus!

O motorzinho parou, abri os olhos, ele estava de novo no peitoril, mais ofegante que maratonista em fim de maratona.

Desta vez ajoelhei, avançando a mão por trás dele, e, antes de tentar pegar, fechei os olhos e pedi mais uma vez: é primavera, Deus!

Abri os olhos, ali estava ele a poucos dedos de meus dedos mas, quando avancei a mão, voltou a voar pela janela, como querendo cortar o vidro com o biquinho.

Você não tem bico de diamante, bichinho bobo, falei baixinho, esperando ele cansar novamente. Cansou logo, pousou de novo, tão ofegante que pensei pronto, é agora, nem vai conseguir voar mais.

Deixei a toalha, levei a mão nua para o corpinho fremente, e cheguei a tocar seu rabinho comprido – mas então, como se levasse um choque, ele voou para a outra janela!

Chispou para fora tão rápido que, quando suspirei, depois de soltar o ar preso nos pulmões, ele já tinha sumido.

Voltei a sentar diante do computador, sentindo o coração bater acelerado. Obrigado, Deus, por me dar, por alguns momentos, esta leveza de beija-flor.

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