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Desejo ou sonho faça enquanto moçoenquanto tens a graça de ignorarfalência do tesão ou falta de arou a porosa corrosão dos ossos

Lança teu barco de aventura ao marpega o trem sem saber onde vai daro caminho que o coração mandare vai feliz entre a fé e os destroços

Grita sem eco por ecologiacuida de quem depois te assaltaráinveste teus tostões na utopia

Deixa a paixão mandar no teu percursoe em recompensa um dia colherásboas lembranças em vez de soluços

Eu não acreditava, acompanhava pelas jornais o cerco à guerrilha de Che Guevara na Bolívia e não acreditava. Não, meu herói daria um jeito, driblaria o cerco, inventaria artimanhas, afinal seria vitorioso e plantaria na Bolívia mais um farol, como Cuba, a iluminar o caminho para a revolução nas Américas.

Quando saiu nas primeiras páginas a foto do cadáver, jurei vingança mas já começava a descrer da revolução. Repórter novato, sofria a censura no noticiário e me perguntava: na ditadura do proletariado, que leninamente vamos implantar com a revolução, também haverá censura... e apenas um jornal! E um só partido, pensei quando começamos a lutar contra a ditadura usando o MDB, único partido de oposição permitido mas era melhor que nenhum. Valeria a pena lutar contra uma ditadura para instalar outra?

Ah, sim, seria uma ditadura "do proletariado", conforme a esperança de Marx, mas, conforme Eliot, entre a intenção e o gesto desce a sombra – e eu não via proletários nem operários em nossos partidinhos de esquerda, apenas jovens de classe média charmosamente revoltados, renegando a própria classe da boca para fora. E em nada me agradavam as notícias da ditadura e da pobreza social na URSS.

Então li com atenção o diário de Guevara na Bolívia, que revela sua ingenuidade militar, suas ilusões políticas e seu aguerrido romantismo. Era um romântico, a ler poesia para os guerrilheiros em redor da fogueira, mas também sem qualquer pudor de matar friamente em nome da utopia socialista.

Nós eramos assim: em nome da utopia, acreditávamos na força, na censura (desde que nossa), na ditadura, crentes na lenina máxima de que "os fins justificam os meios". Depois, fui vendo que a gente se torna o meios que usa. Quem rouba para fazer revolução, acaba é virando ladrão... E assim vi companheiros se tornarem ladrões, vigaristas, puxa-sacos, ou traficantes desse tóxico que encanta mentes ingênuas, a ideologia revolucionária, que ensina a sonhar com mudar o mundo, mesmo que para isso transformando-se num monstro. Se os heróis de Cazuza morreram de overdose, os nossos ídolos revolucionários, de então, hoje circulam no noticiário pop (político-policial)...

Vivemos numa ditadura tributária-bancácia, e aí estão os saguões dos bancos a oferecer espetaculares espaços para o protesto estudantil mas... cadê as lideranças? Estão invadindo reitorias para clamar por esquerdismos do século retrasado, enquanto a União Nacional do Estudantes, a nossa UNE "de tantas lutas", como a gente dizia, tornou-se chapa-branca a mamar verbas e ajeitar cargos oficiais. A meta do líder estudantil de hoje não é fazer revolução, é tornar-se assessor de político.

Acredito que há um mundo novo a ser conquistado, sim, mas o caminho não passa por ideologia, e sim por cidadania, que é feita de prática e não de teoria ou retórica. Cuidar do próprio lixo. Fiscalizar os governos. Participar da comunidade. Propor alternativas, organizar mudanças, antes de tudo mudando a si mesmo. Dar exemplos em vez de fazer discursos. E cobrar fatos das autoridades em vez de aplaudir discursos. É muito mais difícil que posar de revolucionário com a cara do Che na camiseta e, no peito e na mente, os velhos hábitos consumistas e machistas junto com as velhas ilusões utopistas.

Não acredito mais apenas nos jovens para as mudanças, ao contrário, vejo idosos dando mais bons exemplos que os jovens. Hoje eu corrigiria meu soneto para Che no livro Gaiola Aberta, colocando que devemos lutar pelos nossos sonhos sempre, inclusive na velhice, como Gorbachev e Mandela.

Che foi uma mistura de herói e monstro, sim. Se precisarmos de heróis, que sejam limpos, claros, construtivos, heróis de ação já em vez de revolução lá, mestres do amor e não arautos do ódio.

Para mim, Che se foi, já não sou mais o poeta que escreveu este soneto, que aqui vai, como a gente dizia nas reuniões leninistas, "por autocrítica", embora tenha versos em que ainda acredito, e outros em que aprendi a descrer. A vida muda, os mitos murcham, a não ser que continuemos parados no salão de ilusões das ideologias.

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