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Oito de março, oito mulheres.

A primeira, a Vó Sebastiana, escovava seus longos cabelos na varanda, enquanto lia, sobre os joelhos, a revista que contava da primeira – astronauta, a cadela Laika enviada ao espaço para morrer. Então ela olhou o céu com olhos úmidos e falou baixinho:

– Coitada, será que ao menos botaram água nessa tal astronave pra ela beber?

A segunda mulher, minha mãe, descasada naquele tempo em que isso era uma desgraça, chegou em casa com olhos vermelhos, sem as malas que levou vazias e traria cheias de perfumes e joias compradas nos navios em Santos, para revender de porta em porta e nos sustentar. Sentou olhando com olhos vazios a mesa vazia, onde normalmente botaria os presentinhos que sempre trazia para a gente, só olhando a mesa vazia, até que Tia Ana perguntou o que ela ia fazer agora, e ela suspirou fundo e falou cansada:

– Não sei o que vou fazer, minha irmã, não sei, só sei que não vou chorar mais, porque já chorei quando a polícia me tirou as malas, já ajoelhei e chorei na frente do delegado, já chorei na viagem de volta, agora não vou mais chorar – e levantou, abriu a geladeira, viu que estava vazia e saiu dizendo pra gente não se preocupar que ela ia dar um jeito.

A terceira mulher é Tia Ana, na cama com olheiras negras, cabelos embranquecidos de um ano para outro, tão magra que parecia uma caricatura, a pedir que lhe pintassem as unhas, dos pés e das mãos, dando um sorriso torto de dor, mas com os olhos brilhando de repente, completando num fiapo de voz:

– E quero uma cor bem viva...

A quarta mulher é a Nona Paulina, a chupar seu cigarro de palha enquanto tricotava e ouvia a novela no rádio, às dez e meia levantando para fazer a polenta, esperando a massa borbulhar para mexer com a colher de pau e depois despejar na tábua redonda, onde a polenta esparramava até cobrir toda a tábua até a beiradinha, sem derramar fora nem um tiquinho. Aí ela ia fazer a salada e cuidar do frango cozido, só voltando para a polenta quando o Nono já sentava no seu lugar, então ela passava azeite nos dedos, para lambuzar um barbante, com que cortava a redondeza da polenta em oito fatias tão iguais que só vendo. Um dia perguntei como ela conseguia cortar tão iguais, ela falou que não sabia, não prestava atenção porque cortava agradecendo a Deus.

– Só sei que primeiro corto em cruz, depois corto a cruz com outra cruz e pronto.

A quinta mulher é minha primeira mulher, Elenice, a me chamar no quarto, onde ela estava ao lado da cama, os pés sobre uma poça de água, sorrindo assustada para dizer que a bolsa tinha arrebentado. Comecei a correr atrás de coisas, a mala já preparada, a chave do carro, minha carteira, e ela então começou a rir mas se dobrou com uma contração, falou com voz apertada de dor:

– Calma, senão você vai me deixar nervosa... e, antes de tudo, me traz uma toalha para eu enxugar as pernas, né? – depois avançou corredor afora, amparando-se frágil nas portas, sorrindo a cada contração, caminhando de pernas abertas para se tornar uma indestrutível lembrança.

A sexta mulher é minha filha Rita, menina a me olhar vestido de mulher num carnaval antigo, para depois perguntar:

– Pai, por que só homem machista se fantasia de mulher?

A sétima mulher é a filha Ana Luísa, a sussurrar ao telefone:

– Pai... tô grávida. Você vai aceitar meu filho sem pai, pai?

–Aceitar, amar e cuidar, filha. Alô, Analu, você taí?

– Tô, tô chorando, pai. De alegria.

A oitava mulher é minha mulher Dalva, falando de mim:

– Ah, o Domingos melhorou muito deixando florir sua parte feminina. Se fosse mulher, seria minha melhor amiga.

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