• Carregando...

Já fui pescador de deitar pensando na isca de amanhã, e tive pescarias me­­mo­­ráveis.

O sogro, vendo minha paixão, deu de presente molinete e caniço canadenses, coisas finas que só vendo. Fui a uma represa paulista e, em vez de ficar em barranco, onde podia enfiar cano para descanso da vara, fui me postar num rochedo íngrene, pensando que dali, por ser mais fundo, tiraria peixes maiores.

Ainda colocando o molinete na parte mais grossa da vara, bati o pé na parte mais fina, que desceu pelo rochedo e afundou. Tentei alcançar, largando o molinete, que também desceu pela rocha e afundou. Fiquei com a imprestável parte mais grossa da vara, olhando a água escura e funda.

Anos depois, já tinhoso com molinete e iscas, dei sorte com um cardume de robalos. Tirava um, e ao lado um japonês idoso, muito calmo, tirava outro. Eu avançava até quase a arrebentação, com água pela cintura, para jogar longe minha linha, e voltava ofegante, o japonês continuava calmamente sentado numa cadeira, e tirava mais peixes que eu.

Quando o cardume se foi, fui contar os peixes dele, 20. Os meus, uma dúzia. Como os dois usavam camarão de isca, perguntei qual o segredo, ele falou que era a distância:

– Cardume de robalo chega bem perto da praia, né, então quem joga a linha longe, pega menos.

Anos depois, pescando numa rocha batida pelas ondas, peguei um grande bagre, mas a chumbada enroscou numa greta e eu não conseguia puxar o peixe. Finquei a vara noutra greta e estudei o ritmo das ondas, que varriam a rocha jogando o bagre para lá e para cá. Alguém falou que logo ele ia se livrar do anzol, então resolvi arriscar no intervalo entre duas ondas, para ir lá desenroscar a chumbada.

Não vá, disseram vários, uma onda podia me derrubar e a rocha tinha mariscos cortantes. Mas fui. Desenrosquei a chumbada e corri de volta, a tempo de escapar duma grande onda. Quando ela refluiu, vi o bagre se debatendo na rocha mas, quando fui recolher a linha, a chumbada enroscou noutra greta.

Corta a linha, falou alguém, não vale a pena se arriscar por um peixe. Mas fui lá de novo, e, desenroscando a chumbada, só lembrei da próxima onda quando bateu nas costas. Me empurrou rolando rocha acima e, depois, arrastou rocha abaixo. Me vi no mar, sentindo arder os cortes de mariscos pelo corpo, e sabendo que a próxima onda me jogaria contra a rocha.

Um dos pescadores pegou minha vara, correu até a beirada da rocha, esticando a vara para eu pegar, peguei, ele puxou, subi pela rocha com a rapidez do pavor, corremos rocha acima com a onda quebrando logo atrás. Aí vi o bagre a meus pés. Tirei do anzol, joguei no mar. No hotel, onde cheguei sangrando com cortes por todo o corpo, perguntaram quem tinha me cortado daquele jeito. Eu mesmo, falei, eu mesmo.

Aquele bagre foi o segundo maior peixe que peguei. O maior foi um com quem lutei dez minutos. Juntou gente, até que tirei o bicho, com mais de três palmos de comprido, quase da grossura da minha coxa.

Um pescador disse que era o maior que já tinha visto. Fiquei cutucando o bicho com a vara, e ele inchou, como fazem os baiacus, até ficar maior que bola de basquete. Aí peguei pelo rabo e joguei no mar, boiou antes de afundar.

Fiquei duas décadas sem pescar. Agora, voltei a me apaixonar por pescaria, em pesque-pague, onde a gente tem peixes pelo triplo do preço de peixaria. Mas compensa ver o neto puxar o primeiro peixe da vida, e poder lhe dizer:

– Você vai ver que pescar é tão gostoso que até dói...

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]