Papai Noel agacha para olhar nos olhos a velha rena, porque as renas do Papai Noel falam pelos olhos e ela, com o olhar doce e cansado das renas veteranas, fala para ele não se preocupar:
Chegou o tempo, companheiro, este ano não vou. Mas treinei bem minha substituta, você vai ver.
Papai Noel enxuga uma lágrima na manga do casaco e ela sorri:
Você é muito sentimental, mas também é por isso que gosto de você.
Ele funga engolindo as lágrimas.
Como não ser sentimental no nosso trabalho? E você vem puxando o trenó desde...
Desde o tempo em que as crianças só aos catorze anos descobriam que Papai Noel "não existe".
Ele sorri:
Pois é, imagine se existisse um Papai Noel que entra por chaminés... As casas teriam de ter chaminés e as chaminés teriam de ser bem largas, olhe minha pança!
Ela sorri:
Bem, continue guardando nosso segredo, deixe que pensem que Papai Noel não existe e, principalmente, não deixe que saibam do nosso presente! Para ele funcionar, eles não podem saber!
Ele sussurra:
Eles nem desconfiam... Ficam tão distraídos com seus brinquedos de crianças e de adultos, que nem desconfiam do verdadeiro presente...
A rena solta um suspiro feliz e cansado, mas os olhos brilham ao perguntar:
E como está a situação este ano?
Ah, diz Papai Noel olhando longe, a situação está ótima:
A corrupção chegou ao auge, sinal de que logo será combatida pra valer. A Justiça não consegue ser mais lerda, sinal de que logo também melhorará. Os poderes públicos custam cada vez mais e produzem cada vez menos, o que também forçará novas soluções.
E o buraco de ozônio?
Ah, está ótimo ele suspira fundo tremendo os bigodes - As geleiras continuam derretendo, então o mar subirá cada vez mais e, daqui a alguns anos, começará a inundação de cidades costeiras. Aí vai cair a ficha e começarão a tomar mais cuidado com o planeta. Já inventaram carro movido a hidrogênio, consome só o ar da atmosfera, sem poluição.
A rena balança a cabeça:
Mas enquanto houver petróleo as companhias petrolíferas vão continuar impondo seu velho modelo. E o biodiesel?
Vai a passo de lesma, mas pelo menos é uma lesma que sabe o caminho.
A velha rena fecha os olhos para suspirar fundo, abre quando lembra:
E a educação? Você sabe que sem uma nova educação não haverá uma nova geração, só uma repetição das velhas gerações e...
Bem, você sabe... Papai Noel coça a barba Há indícios, há caminhos sendo abertos, há...
Não me enrole! ela tenta se levantar, não consegue, desaba suspirando no leito de folhas de pinheiro, fala firme:
Você sabe que o nó taí, ou muda a educação ou a evolução não supera a degradação!
Ele pede calma, diz que em muitas escolas as coisas já começaram a mudar:
Os professores estão falando menos e deixando os alunos falarem mais, com mais debate para conscientizar e menos matéria para decorar. Acho que em menos de uma década as escolas começam a produzir cidadania em vez de só fornecer diplomas.
Uma dé-ca-da?! ela arregala os olhos, ele pede calma:
Você sabe como é difícil mudar velhos hábitos, pra muita gente escola ainda é o lugar onde ficam sentados olhando a nuca do aluno da frente...
Mas a palavra precisa rodar, é preciso debater, conscientizar, formar cidadãos em vez de cordeiros sempre prontos para entrar em fila ou lob, sempre prontos a levar vantagem em tudo! E...
Ela tem um acesso de tosse, ele lhe dá palmadinhas nas costas.
Calma, calma... Vamos continuar levando nosso presente, todo ano. Você sabe, eles só vão melhorar as coisas se tiverem isso que levamos, e que eles nem desconfiam que é um presente divino, o mais valioso dos presentes!
A esperança diz a velha rena fechando os olhos, e ele balança a cabeça concordando:
Esperança... que seria do Humanidade sem isso?
Então vá, diz a rena pela primeira falando de olhos fechados, e ele se espanta:
Ei, cadê você? Ei!
Mas ela se foi, ali está apenas seu corpo cansado, e ele levanta arquejando, pega o seu chicote de lançar estrelas e monta o trenó, onde a nova rena vibra de ansiedade:
Vamos?
Vamos, diz ele estalando estrelas com o chicote, e partem para levar mais uma vez O Presente.
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